A história começa muito antes das detenções e muito antes de a Polícia Judiciária chamar “Operação Gambérria” ao que viria a ser um dos maiores esquemas de tráfico de pessoas e falsa legalização alguma vez identificados em Portugal.

A teia montada era sofisticada, lucrativa e cruel — e, acima de tudo, disfarçada de oportunidade.

Uma rede organizada cobrava entre quinze e vinte mil euros pelo que chamavam “pack de legalização”: contratos de trabalho fictícios, NIF, NISS, número de utente do SNS, Cartão Europeu de Saúde, registos criminais traduzidos e certificados, contas bancárias abertas em nome dos imigrantes e até atestados de residência. Um guião completo, desenhado para convencer cada recém-chegado de que estava perante a porta de entrada para uma vida nova.

Mas claro, havia sempre um preço.
E não era apenas monetário.

Os imigrantes oriundos da República Democrática Federal do Nepal e da República Popular do Bangladesh pagavam ainda mais do que os brasileiros ou africanos. Como explicou uma fonte ligada à investigação, “os riscos migratórios associados a alguns países são mais elevados, o que dificulta — e encarece — a obtenção de vistos de turismo para europeus”. Distâncias maiores, barreiras culturais, vulnerabilidade extrema. A equação ideal para o negócio perfeito… para os criminosos.

O caso ganhou contornos ainda mais perturbadores quando se descobriu a dimensão das ramificações dentro de instituições públicas. Uma das funcionárias do Centro de Saúde de Cortegaça, em Ovar, foi recrutada presencialmente por um membro da rede com a promessa de uma percentagem por cada imigrante “integrado” no SNS. A segunda funcionária foi aliciada pela própria colega, seduzida pelo “dinheiro fácil”, essa expressão que tantas vezes sinaliza a porta de entrada para o abismo moral.

Apesar de já estarem envolvidas há algum tempo, nenhuma das duas apresentava sinais exteriores de riqueza. Um contraste gritante quando comparado com a funcionária dos Serviços Consulares do Ministério dos Negócios Estrangeiros detida em maio de 2025, que tinha em casa oitocentos mil euros… em notas.

O que permanece ainda por apurar é a verdadeira escala da operação. Só a célula de Coimbra agilizou, de forma fraudulenta, a legalização de dezoito mil imigrantes através da atribuição irregular de NIF. Em Ovar, dez mil receberam números nacionais de utente do SNS. A grande questão agora é perceber quantos destes processos se cruzam entre si — e quantos outros ainda estão por descobrir.

E diante de tudo isto, há quem continue a apontar o dedo aos imigrantes.
Como se a culpa fosse dos explorados e não dos exploradores.
Como se a miséria e o desespero não fossem terreno fértil para quem lucra com vidas humanas.

A interrogação impõe-se:
será que vamos continuar a repetir o discurso fácil — “a culpa é dos imigrantes” — ou teremos a coragem de enfrentar a verdade incómoda?
Porque a responsabilidade, ao contrário do que alguns pregam, não está em quem chega…
mas em quem transforma a esperança alheia num negócio de milhões.

“A verdadeira medida de uma sociedade encontra-se no modo como trata aqueles que nada têm para lhe oferecer.” — Mahatma Gandhi

Ah!

E a culpa é dos imigrantes ou dos que os transportam para Portugal, oh cheganos!

Fontes:

  • Jornal Expresso

  • Polícia Judiciária

  • Ministério dos Negócios Estrangeiros

  • Dados públicos divulgados no âmbito da Operação Gambérria