Nenhuma media se preocupou até o momento em comparar detidamente as propostas de Donald Trump com os passos de Hitler em 1933, quando assumiu a chancelaria alemã. Parece que está a se repetir o mesmo fenômeno daquela época: ninguém dava a devida importância ao que Hitler fazia e prometia; muitos até achavam que não ia resultar em nada, que tudo não passava de bravata.

Quase 100 anos depois, a palavra “bravata” tem sido uma das mais ouvidas e lidas na imprensa falada e escrita, desde o começo da campanha eleitoral do Partido Republicano nos EUA. Todavia, os decretos que Trump assinou, ainda no calor da posse como 47º Presidente desse país, desmentem cabalmente os que não se assustaram e continuam a buscar explicações fantasiosas para o que está se passando.

Na época de Hitler, quando não havia mais jeito a dar, todos lamentaram, com palavras inocentes: “não fomos capazes de perceber o perigo em sua profundidade; quando tentamos reagir à altura, já não havia mais o que fazer”. Enxerga-se hoje no horizonte a mesma subestimação daqueles tempos sombrios.

Comunistas, social-democratas, socialistas, sindicalistas, intelectuais e toda a massa dispersa no campo da esquerda, foram todos responsáveis pelo fenômeno dos “olhos fechados”, como se poderia chamar as tépidas e pacíficas reações, que só aumentaram a radicalização de Hitler. Não se pode negar que houve oposição ao nazismo. Os comunistas, em particular, que não são de cruzar os braços diante de perseguições violentas e criminosas, se insurgiram, mas em atos isolados, sem a unidade e a veemência que o momento exigia. E o resto do mundo acompanhou tudo ora assustado, ora em silêncio, como se nada de grave estivesse acontecendo. Reinava a incredulidade no sucesso do nazismo.

Parece que chegou a hora de perguntarmos: será que vai acontecer a mesma coisa novamente, agora com outro país como protagonista? Os espíritos de Hegel e Marx estão pairando no ares da liberdade.

A principal semelhança entre as duas épocas gira em torno da mesma palavra: nacionalismo. Hitler queria reerguer a Alemanha, não só porque o país estava fragilizado pela derrota na I Guerra Mundial, com sua humilhante rendição e subjugação aos termos do Tratado de Versalhes de 1919, mas também porque considerava a Alemanha um povo superior, que merecia e devia dominar o mundo. Tudo o que se seguiu foi o desenvolvimento lento, progressivo e organizado dessa visão transformada em ideologia redentora, em direção à meta pré-estabelecida pelos nazistas: o Terceiro Reich deveria durar pelo menos 1000 anos.

As medidas práticas que se seguiram podem ser resumidas assim: militarização do povo; rearmamento; criação de forças armadas poderosas; vingança; amordaçamento da oposição; purificação da raça; eliminação dos fracos, doentes e “pervertidos”; extinção dos judeus; anexação de territórios, expansão das fronteiras e controle das riquezas do mundo. A II Guerra Mundial foi o resultado conjugado dessas políticas, alimentadas pelo ódio e pelo espírito de vingança.

Não é difícil identificar hoje nos EUA a predominância de uma política essencialmente semelhante à de Hitler, salvo em suas especificidades atuais, como a manipulação das redes sociais e o desprezo da questão climática, que naquela época não faziam parte do cenário. Tal como o nazismo, a essência da política trumpista é o nacionalismo. Não é à-toa que ele não pronuncia duas frases sem repetir, que quer a “América grande novamente”: “América acima de tudo”; “América rica novamente”; “América poderosa novamente”, etc, etc.

Para conseguir este objetivo, Trump precisa derrotar seus inimigos internos (a oposição de qualquer tipo e os imigrantes), e seus inimigos externos (a China em particular), além de expandir seu território, começando pelo Panamá, a Groelândia e o Canadá. Ao decretar a mudança do nome do Golfo do México para Golfo da América, não está anexando nada, nem mesmo um pedaço de mar, mas está sinalizando o que pretende fazer. E, apesar dos EUA possuírem as maiores e mais poderosas forças armadas do planeta, com um poderio que se espalha através de suas mais de 800 bases militares instaladas mundo afora, já declarou que a direção principal de sua política interna será a “modernização e o fortalecimento” de suas forças armadas. Tal objetivo não teria sentido se não almejasse o domínio do mundo.

Depois da tragédia da II Guerra Mundial, uma pequena parcela de alemães que não se alinhou ao nazismo, começou a se perguntar como foi possível que o povo alemão, reduto da filosofia, da literatura, da música, da arte e da ciência mais avançadas da época, um povo com uma formação humanística formidável, se deixou enganar a tal ponto, aderindo a um programa tão genocida e sanguinário. Não é o mesmo que se pergunta hoje em relação ao povo americano diante do trumpismo?

Sabemos que a situação do povo americano, em particular dos mais pobres, não é nada boa. Sua carência nos terrenos da saúde pública, da habitação, da escolaridade e da alimentação são assustadoras. E por que uma parcela considerável desse contingente votou em Trump? A resposta é clara: porque foi manipulada com as ideias de grandeza do presidente, pela exploração do ressentimento exacerbado e a ostentação facciosa do orgulho nacional. Qualquer semelhança com Hitler não é mera coincidência; ao contrário, é nítida inspiração. Incutiu-se nas mentes dessa parcela da população a ideia de que a situação crítica americana é culpa dos seus inimigos internos: do Partido Democrata, dos comunistas, dos marxistas e de todos os setores da esquerda, em particular as que se expressam nas vozes de sua intelectualidade. Criou-se, inclusive, numa repetição congênita do fascismo, uma nova “teoria da traição”. O povo está sendo mobilizado para reerguer o orgulho nacional e aniquilar os traidores.

Todos nós sabemos no que isso pode dar, pois já vimos uma amostra assustadora, que foi a invasão do Capitólio em 2021, amostra que até se repetiu no Brasil e pode ter novas reprises mundo afora.

Se o mundo não reagir à altura desde já, a história vai se repetir, agora como farsa, e as consequências poderão ser mais desastrosas que em 1945. O mínimo que se pode fazer no momento é a criação de uma frente antifascista internacional, que alie todas as forças progressistas do mundo, inclusive os governos sérios e responsáveis, defensores intransigentes da democracia. Pois não demorará o dia em que Trump repetirá, como Hitler: “A democracia está podre!”. Primeiro ele abolirá a democracia americana, num prosseguimento da guerra de secessão, que ainda não acabou. Acha que a democracia está ultrapassada; então, tentará abolir a do mundo inteiro. Quem viver, verá.