Na época de Hitler, quando não havia mais jeito a dar, todos lamentaram, com palavras inocentes: “não fomos capazes de perceber o perigo em sua profundidade; quando tentamos reagir à altura, já não havia mais o que fazer”. Enxerga-se hoje no horizonte a mesma subestimação daqueles tempos sombrios.
Comunistas, social-democratas, socialistas, sindicalistas, intelectuais e toda a massa dispersa no campo da esquerda, foram todos responsáveis pelo fenômeno dos “olhos fechados”, como se poderia chamar as tépidas e pacíficas reações, que só aumentaram a radicalização de Hitler. Não se pode negar que houve oposição ao nazismo. Os comunistas, em particular, que não são de cruzar os braços diante de perseguições violentas e criminosas, se insurgiram, mas em atos isolados, sem a unidade e a veemência que o momento exigia. E o resto do mundo acompanhou tudo ora assustado, ora em silêncio, como se nada de grave estivesse acontecendo. Reinava a incredulidade no sucesso do nazismo.
Parece que chegou a hora de perguntarmos: será que vai acontecer a mesma coisa novamente, agora com outro país como protagonista? Os espíritos de Hegel e Marx estão pairando no ares da liberdade.
A principal semelhança entre as duas épocas gira em torno da mesma palavra: nacionalismo. Hitler queria reerguer a Alemanha, não só porque o país estava fragilizado pela derrota na I Guerra Mundial, com sua humilhante rendição e subjugação aos termos do Tratado de Versalhes de 1919, mas também porque considerava a Alemanha um povo superior, que merecia e devia dominar o mundo. Tudo o que se seguiu foi o desenvolvimento lento, progressivo e organizado dessa visão transformada em ideologia redentora, em direção à meta pré-estabelecida pelos nazistas: o Terceiro Reich deveria durar pelo menos 1000 anos.
As medidas práticas que se seguiram podem ser resumidas assim: militarização do povo; rearmamento; criação de forças armadas poderosas; vingança; amordaçamento da oposição; purificação da raça; eliminação dos fracos, doentes e “pervertidos”; extinção dos judeus; anexação de territórios, expansão das fronteiras e controle das riquezas do mundo. A II Guerra Mundial foi o resultado conjugado dessas políticas, alimentadas pelo ódio e pelo espírito de vingança.
Não é difícil identificar hoje nos EUA a predominância de uma política essencialmente semelhante à de Hitler, salvo em suas especificidades atuais, como a manipulação das redes sociais e o desprezo da questão climática, que naquela época não faziam parte do cenário. Tal como o nazismo, a essência da política trumpista é o nacionalismo. Não é à-toa que ele não pronuncia duas frases sem repetir, que quer a “América grande novamente”: “América acima de tudo”; “América rica novamente”; “América poderosa novamente”, etc, etc.
Para conseguir este objetivo, Trump precisa derrotar seus inimigos internos (a oposição de qualquer tipo e os imigrantes), e seus inimigos externos (a China em particular), além de expandir seu território, começando pelo Panamá, a Groelândia e o Canadá. Ao decretar a mudança do nome do Golfo do México para Golfo da América, não está anexando nada, nem mesmo um pedaço de mar, mas está sinalizando o que pretende fazer. E, apesar dos EUA possuírem as maiores e mais poderosas forças armadas do planeta, com um poderio que se espalha através de suas mais de 800 bases militares instaladas mundo afora, já declarou que a direção principal de sua política interna será a “modernização e o fortalecimento” de suas forças armadas. Tal objetivo não teria sentido se não almejasse o domínio do mundo.
Depois da tragédia da II Guerra Mundial, uma pequena parcela de alemães que não se alinhou ao nazismo, começou a se perguntar como foi possível que o povo alemão, reduto da filosofia, da literatura, da música, da arte e da ciência mais avançadas da época, um povo com uma formação humanística formidável, se deixou enganar a tal ponto, aderindo a um programa tão genocida e sanguinário. Não é o mesmo que se pergunta hoje em relação ao povo americano diante do trumpismo?
Sabemos que a situação do povo americano, em particular dos mais pobres, não é nada boa. Sua carência nos terrenos da saúde pública, da habitação, da escolaridade e da alimentação são assustadoras. E por que uma parcela considerável desse contingente votou em Trump? A resposta é clara: porque foi manipulada com as ideias de grandeza do presidente, pela exploração do ressentimento exacerbado e a ostentação facciosa do orgulho nacional. Qualquer semelhança com Hitler não é mera coincidência; ao contrário, é nítida inspiração. Incutiu-se nas mentes dessa parcela da população a ideia de que a situação crítica americana é culpa dos seus inimigos internos: do Partido Democrata, dos comunistas, dos marxistas e de todos os setores da esquerda, em particular as que se expressam nas vozes de sua intelectualidade. Criou-se, inclusive, numa repetição congênita do fascismo, uma nova “teoria da traição”. O povo está sendo mobilizado para reerguer o orgulho nacional e aniquilar os traidores.
Todos nós sabemos no que isso pode dar, pois já vimos uma amostra assustadora, que foi a invasão do Capitólio em 2021, amostra que até se repetiu no Brasil e pode ter novas reprises mundo afora.
Se o mundo não reagir à altura desde já, a história vai se repetir, agora como farsa, e as consequências poderão ser mais desastrosas que em 1945. O mínimo que se pode fazer no momento é a criação de uma frente antifascista internacional, que alie todas as forças progressistas do mundo, inclusive os governos sérios e responsáveis, defensores intransigentes da democracia. Pois não demorará o dia em que Trump repetirá, como Hitler: “A democracia está podre!”. Primeiro ele abolirá a democracia americana, num prosseguimento da guerra de secessão, que ainda não acabou. Acha que a democracia está ultrapassada; então, tentará abolir a do mundo inteiro. Quem viver, verá.