Como pode Trump repetir as muskianas alegações de que há um "genocídio branco" na África do Sul?

Pois bem existe tal?
Eis o que vamos ver a seguir.
A Aljazeera diz que não existe.
As sugestões de Trump de que um genocídio branco pode estar ocorrendo foram repetidamente desmascaradas por autoridades sul-africanas e analistas independentes — e por dados.

"Então, nós aceitamos [refugiados] de muitos lugares se sentimos que há perseguição ou genocídio acontecendo", disse o presidente dos EUA no Salão Oval na quarta-feira.

"E tivemos muitas pessoas, devo dizer, Sr. Presidente [Ramaphosa], tivemos um número enorme de pessoas, especialmente desde que viram isso — geralmente são fazendeiros brancos e estão fugindo da África do Sul."

No início deste mês, 59 sul-africanos brancos chegaram aos EUA como parte de um programa de refugiados criado por Trump como santuário para eles.

Outro media o TimesLive apresenta o dito e mostrado como falsas as alegações de Donald Trump sobre genocídio de brancos na África do Sul.

Essas acusações foram refutadas pelo  presidente Cyril Ramaphosa e a sua equipe no Salão Oval na quarta-feira havendo hoje uma onda de protestos dos sul-africanos e com analistas a debater se a delegação sul-africana conseguiu combater a desinformação de forma eficaz.

Um dos  tópicos de confronto  entre os dois países é a recente aprovação de uma lei de expropriação de terras pela África do Sul, que Trump denunciou como “perseguição” à minoria branca rica do país.

A lei permite que o governo confisque terras de qualquer proprietário privado, branco ou não, para fins e interesses públicos.

Embora a lei estabeleça uma compensação justa, também permite a apreensão sem compensação em certos casos.

No entanto, ao contrário do que Trump alegou, a lei deixa claro que apenas o governo – e não justiceiros – pode tomar terras de fazendeiros.

E Trump nao está correto  nas  suas alegações de que “nada acontece” com aqueles que cometem assassinatos em fazendas.

Em novembro de 2022, dois homens foram condenados e sentenciados à prisão perpétua pelos assassinatos de Glenn e Vida Rafferty, o casal cuja morte desencadeou o protesto de 2020 que Trump falsamente alegou que mostrava uma fileira de cemitérios na rodovia.

As declarações de Trump acompanham  as crenças nacionalistas brancas de que a legislação na África do Sul, que visa retificar o apartheid, é agora, de facto, discriminatória contra a comunidade africâner.

Organizações de direita, como o grupo de lobby africâner AfriForum, têm defendido a narrativa de que os africâneres estão sob ameaça existencial do que os factos não acompanham tal.

“Não há evidências confiáveis ​​que sustentem a alegação de que fazendeiros brancos na África do Sul estejam sendo sistematicamente alvos de uma campanha de genocídio”, disse Anthony Kaziboni, investigador  sênior da Universidade de Joanesburgo, à Al Jazeera.

Embora a África do Sul não divida as estatísticas de criminalidade por raça, de acordo com os dados mais recentes de abril a dezembro de 2024 fornecidos pelo governo, houve 19.696 assassinatos durante esse período.

Destes spenas 36 assassinatos estavam relacionados a fazendas, e apenas sete das vítimas eram agricultores.

O número de vítimas brancas não é claro mas 29 vítimas restantes eram trabalhadores rurais, que são predominantemente negros na África do Sul.

A escala de assassinatos em fazendas capturada pelos dados do governo sul-africano coincide amplamente com os dados do AfriForum.

O grupo afirma que 50 e 49 assassinatos em fazendas ocorreram em 2022 e 2023, respectivamente.

"Genocídio é um termo grave, legalmente definido pela ONU como atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Esse limite não é atingido no caso dos ataques a fazendas na África do Sul", disse Kaziboni.

Os sul-africanos brancos constituem 7% da população do país, e no entsmto à custa do apartheid  possuem mais de 70% de suas terras.

Mais ainda  possuem cerca de 20 vezes mais riqueza do que os negros, em média.

Nas empresas da África do Sul, indivíduos brancos ocupam 62% dos cargos de alta gestao, e so  17% dos cargos de liderança são ocupados por gestores negros.

A equipe da Casa Branca exibiu um videoclipe no Salão Oval que Trump insistiu em mostrar "locais de sepultamento de milhares de fazendeiros brancos" com crucifixos brancos alinhados ao longo de uma rodovia local.

Quando Ramaphosa perguntou a ele de onde era a filmagem, dizendo: "Isso eu nunca vi", Trump afirmou que era na África do Sul.

Trump estava certo — as imagens eram da África do Sul.

Mas ele também estava errado — não eram imagens de locais de sepultamento.

As imagens foram partilhadas pelo CEO da Tesla, Elon Musk, no início deste ano, como evidência de que um genocídio branco estava ocorrendo.

No entanto, registros locais e um relatório da época do Instituto Sul-Africano de Relações Raciais confirmaram que cruzes foram simbolicamente plantadas na beira da estrada durante um protesto de 2020 relacionado aos assassinatos do casal sul-africano branco Glenn e Vida Rafferty em uma fazenda.

Não eram lápides, como Trump falsamente afirmou.

De acordo com a União Agrícola Transvaal da África do Sul — um grupo simpatizante dos agricultores africâneres — o número total de assassinatos em fazendas na África do Sul entre 1990 e 2024 foi de 2.229, incluindo 1.363 agricultores brancos, 529 parentes de agricultores brancos, 38 trabalhadores brancos, 30 visitantes brancos, 88 agricultores negros, 61 parentes de agricultores negros, 188 trabalhadores negros e sete visitantes negros.

Em média, 56 sul-africanos brancos foram mortos em fazendas por ano durante o período de 35 anos, de acordo com esses dados.

"Esses crimes são brutais e preocupantes, mas decorrem de altos níveis de criminalidade violenta e policiamento rural deficiente, não de uma intenção patrocinada pelo Estado ou liderada por um grupo de aniquilar um grupo racial", disse Kaziboni.

Trump alegou que não há justiça para assassinos de fazendeiros brancos

“Você permite que eles tomem as terras. E quando eles tomam as terras, eles matam o fazendeiro branco. E quando eles matam o fazendeiro branco, nada acontece com eles”, reclamou Trump a Ramaphosa.

E quanto aos políticos sul-africanos gritando "Matem o Boer"?

A equipe de Trump também exibiu um vídeo de Julius Malema, figura da oposição e líder do partido de esquerda Economic Freedom Fighters (EFF), cantando a canção antiapartheid Dubul' ibhunu ("Matem o Boer") em um comício.

"Boer" é a palavra em africâner para agricultor e, em certo sentido, significa simplesmente agricultor, de qualquer raça.

No entanto, o título é frequentemente interpretado como "Matem o Africâner".

A canção surgiu na década de 1980, quando a oposição a mais de três décadas de regime do apartheid se espalhou pelas ruas dos municípios da África do Sul.

O título da canção também é frequentemente traduzido como "Matem o agricultor branco".

Ramaphosa disse a Trump que condenou repetidamente Malema e suas declarações, que não refletem a posição oficial do governo.

Enquanto isso, Malema afirmou repetidamente – tanto em tribunal quanto em entrevistas – que "não estamos pedindo o massacre de pessoas brancas, pelo menos por enquanto".

Veteranos antiapartheid argumentam que a letra não é uma incitação à violência contra pessoas brancas, explicando que Boer simboliza o conceito mais amplo de um opressor.

Tribunais na África do Sul também decidiram que a música não constitui discurso de ódio.

No entanto, o investigador da Universidade de Joanesburgo afirmou que os tribunais e o governo sul-africano parecem estar tentando encontrar um equilíbrio entre "liberdade de expressão, reparação histórica e coesão social".

"Os tribunais enfatizaram a necessidade de entender a música dentro de seu contexto histórico e político, não como uma incitação literal à violência, mas como um ato simbólico de resistência inserido na luta de libertação do país", disse Kaziboni.

"Morte, morte, morte horrível": Trump apresenta série de artigos

Sentado ao lado de Ramaphosa, Trump folheou uma série de artigos que, segundo ele, demonstravam mais uma prova da perseguição a fazendeiros brancos.

Entretanto, na pilha de papéis havia uma postagem de blog com uma imagem da cidade de Goma, na República Democrática do Congo, mostrando funcionários da Cruz Vermelha usando equipamentos de proteção manuseando sacos para cadáveres.

Kaziboni afirmou que, num momento de "crescente desinformação global", a abordagem de Trump sobre a África do Sul "deturpa tanto os factos quanto a história mais profunda".

"As evidências que ele apresenta são desconhecidas, até mesmo desconhecidas para o presidente sul-africano, Ramaphosa", disse o pesquisador. "É importante não reduzir questões complexas a narrativas simplistas impulsionadas por agendas ideológicas."

O analista político Khaya Sithole vê progresso após a reunião, mas notou lacunas, afirmando: “A resposta às alegações de genocídio branco foi a parte difícil, porque não se baseia em factos, mas o importante na conversa é que, até agora, não tínhamos ideia do que formava a base das declarações e declarações de Trump. Houve especulações”, disse ele.

“O que realmente faltou foi uma denúncia muito clara das conversas sobre genocídio por aqueles que Trump leva mais a sério do que outros; esses seriam os golfistas John Steenhuisen e, como se viu, Johann Rupert, mas houve progresso.”

Sanusha Naidu, do Instituto para o Diálogo Global, elogia a contenção estratégica de Ramaphosa. "Acho que eles foram tão eficazes quanto possível, dado o contexto em que essas alegações estavam sendo feitas e a mentalidade de quem as fazia. Obviamente, o que foi muito difícil de fazer foi tentar fazer o presidente dos EUA aceitar que ele poderia estar errado, e isso não é algo que qualquer um conseguiria... uma vez que o presidente Trump se define com uma ideia e uma visão, ele não recua", disse ela.

"A Presidência da África do Sul, a delegação em particular, o presidente, conduziu a situação muito bem. Ele conduziu a situação com maturidade, foi comedido, ficou claro o que eles iriam fazer."

O magnata dos negócios Rupert fazia parte da delegação. Ele disse a Trump que a criminalidade na África do Sul é generalizada — todos são afetados.

“Era um bom manual, o manual era muito crítico porque Ramaphosa sabia que você nunca o convenceria [Trump] do contrário... mas agora você criou uma dúvida na mente dele. O presidente Ramaphosa sabe como jogar este jogo; é o jogo da longa espera, e ele pode frustrar você porque você não está obtendo uma reação dele”, disse Naidu.

A advogada de direitos humanos Yasmin Sooka é menos otimista. "Foi um choque saber que precisávamos de três homens brancos para nos salvar, nenhum dos quais refutou as alegações de perseguição e genocídio, e isso me lembrou muito do falecido presidente [FW] De Klerk, que nunca disse que o apartheid era um crime contra a humanidade", disse ela.

Sooka alerta para repercussões globais: “Acho que estamos sendo enganados. Assim como abrimos um processo na CIJ sobre genocídio, não se surpreendam se o governo estadunidense  não abrir um processo contra os israelitas  acusando a África do Sul de perseguição, que é um crime contra a humanidade, e de genocídio, porque essa é a narrativa diante da desinformação e das falsidades.”

Sooka acredita que apenas Ramaphosa e Zingiswa Losi da Cosatu “realmente se esforçaram para refutar a desinformação”.

( https://www.timeslive.co.za/politics/2025-05-22-listen-trumps-lies-rile-sa-was-ramaphosas-rebuttal-enough/  )