Por Guilherme Bitencourt

 

A refutação ao texto do rabino Elie Mischel deve ser detalhada e precisa, desmontando camada por camada as distorções teológicas, históricas e culturais que ele apresenta para justificar a visão política do sionismo e reforçar preconceitos raciais contra o povo árabe.

Esse tipo de discurso não apenas ignora a complexidade dos textos bíblicos e da tradição religiosa abraâmica, mas também instrumentaliza a narrativa religiosa para sustentar uma agenda política que, longe de promover a paz, alimenta o ódio e as divisões.

Primeiro parágrafo: "Durante uma de suas muitas visitas a Israel, o capitão Gary Kosak visitou uma pequena fábrica de árabes deficientes..."

Mischel abre seu texto com uma anedota que, à primeira vista, parece ser um relato factual e neutro sobre as dificuldades enfrentadas por árabes deficientes. No entanto, ele rapidamente desvia para uma história de vingança entre famílias árabes, usada como um exemplo de uma suposta propensão à violência e crueldade dentro dessa comunidade. Esse recurso narrativo é comum em discursos que buscam desumanizar "o outro", apresentando casos isolados de violência como representações universais de um grupo inteiro.

 

Aqui, é importante questionar por que o rabino escolhe destacar essa história específica. A prática de vingança familiar, embora existisse em algumas culturas árabes, não é exclusiva dos árabes ou dos muçulmanos. Culturas de vingança existem em várias partes do mundo, incluindo na Europa medieval, e até em sociedades modernas, como na máfia italiana. Usar essa história para generalizar um comportamento cultural e associá-lo ao povo árabe como um todo é uma simplificação grosseira que desconsidera as nuances culturais, legais e históricas dessas sociedades. O objetivo dessa anedota, claramente, é preparar o terreno para justificar a visão de Ismael como "selvagem", conforme será explorado mais à frente no texto. 

"Foi um exemplo de vingança árabe que parece se encaixar na descrição profética da descendência de Ismael."

 Neste trecho, Mischel faz a transição entre a história individual e a teologia bíblica. Ele busca conectar o ato de vingança relatado com a descendência de Ismael, utilizando uma lógica circular. Em vez de reconhecer que atos de violência são um fenômeno humano presente em todas as culturas, ele usa um caso isolado para confirmar a profecia bíblica sobre Ismael e, por extensão, sobre todos os árabes. Esse tipo de uso seletivo da Escritura é perigoso porque legitima preconceitos ao criar uma ligação teológica entre atos humanos de violência e o destino de um grupo étnico. Isso ignora completamente o contexto histórico e social dos textos bíblicos, além de desconsiderar os princípios éticos fundamentais das tradições judaica e islâmica.

 

"Esses tipos de tragédias aconteciam assustadoramente com mais frequência do que se poderia imaginar."

 

Mischel, em seguida, reforça o estereótipo do "árabe violento", sugerindo que a violência entre famílias árabes é uma ocorrência frequente. Aqui, ele usa uma tática retórica comum: a criação de uma percepção inflacionada de uma prática cultural ou social para sustentar uma visão preconceituosa. Estudos antropológicos e sociológicos mostram que a violência familiar e tribal, quando ocorre, é geralmente o resultado de estruturas sociais complexas e situações de marginalização, e não uma característica essencial de um povo. No entanto, Mischel opta por usar esses exemplos como uma "prova" de que os descendentes de Ismael estão destinados à selvageria, desumanizando-os no processo.

 

"O islamismo nasceu e criou raízes nas terras tribais de Ismael, a quem os muçulmanos consideram um profeta e o antepassado de Maomé."

 

Aqui, o rabino Mischel faz uma conexão direta entre Ismael e o Islã, com o objetivo de implicar que as características de Ismael se aplicam a todos os muçulmanos. No entanto, essa visão é teologicamente e historicamente incorreta. Embora a tradição islâmica reconheça Ismael como um antepassado de Maomé, as raízes do Islã são muito mais complexas e estão ligadas a uma ampla confluência de influências religiosas, sociais e políticas na Península Arábica do século VII. A tentativa de simplificar essa história rica e diversificada para reforçar estereótipos racistas é uma manipulação grosseira dos fatos.

 

Além disso, Mischel ignora a profunda espiritualidade e a tradição ética que o Islã traz, que prega a justiça, a misericórdia e a paz. Ao associar Ismael apenas à violência e à selvageria, ele tenta minar a legitimidade de uma das maiores religiões do mundo, em uma estratégia clara para fortalecer a narrativa sionista de superioridade religiosa e cultural.

 

"O que leva o povo de Ismael a agir dessa forma? Qual é a raiz de seu ódio e predileção por assassinato?"

 

Aqui, o preconceito de Mischel atinge seu ponto máximo. Ele não apenas sugere que a violência é uma característica inerente dos descendentes de Ismael, mas também que o "ódio" e a "predileção por assassinato" são traços naturais do povo árabe. Essa afirmação é extremamente perigosa e irresponsável, pois legitima o racismo e a xenofobia. A vasta maioria dos árabes e muçulmanos, como qualquer outro grupo étnico ou religioso, vive em paz e rejeita a violência. A perpetuação de estereótipos de ódio serve apenas para alimentar a divisão e o conflito, especialmente no contexto do Oriente Médio.

 

"Passagens de Gênesis 16:11-12: Ele será um homem asno selvagem; A sua mão contra todos, e a mão de todos contra ele; Ele habitará ao lado de todos os seus parentes."

 

Mischel recorre à descrição bíblica de Ismael em Gênesis para justificar sua visão. Ele interpreta a passagem de forma literal, apresentando-a como uma prova de que Ismael e seus descendentes estão destinados à selvageria e à inimizade com o resto da humanidade. No entanto, essa interpretação é altamente discutível. A Bíblia Hebraica está cheia de descrições simbólicas e poéticas, muitas das quais não devem ser tomadas literalmente. O próprio termo "asno selvagem" (pereh adam) pode ser interpretado de várias maneiras. Alguns comentaristas judaicos e islâmicos argumentam que isso se refere à independência e ao espírito livre de Ismael, não a uma predisposição para a violência.

 

Além disso, Mischel omite deliberadamente as partes da tradição que destacam o lado positivo de Ismael. No Alcorão, por exemplo, Ismael é descrito como um profeta e mensageiro de Deus, um homem de fé e paciência. Ao ignorar essas perspectivas e focar apenas nas descrições negativas, Mischel está claramente distorcendo o texto bíblico para reforçar sua própria agenda política.

 

"De acordo com as regras gramaticais padrão, Ismael deveria ter sido chamado de 'Adão Pere', um 'homem que é um jumento selvagem'... Parece que 'jumento selvagem' é a palavra primária."

 

Essa análise gramatical de Mischel é uma tentativa de reforçar sua visão preconceituosa através de um tecnicismo linguístico. Ele argumenta que a ordem das palavras em hebraico indica que a característica mais importante de Ismael é sua selvageria, e não sua humanidade. No entanto, isso é uma interpretação forçada e seletiva. O hebraico bíblico, como qualquer língua, permite várias camadas de significado, e a ordem das palavras nem sempre deve ser interpretada de maneira tão rígida.

 

Além disso, a própria interpretação de que o "jumento selvagem" é um símbolo de violência e desumanidade é contestável. Na cultura antiga, o jumento selvagem era frequentemente visto como um símbolo de liberdade e resistência, não como um animal inerentemente violento. Mischel ignora essas nuances e escolhe a interpretação que melhor serve ao seu propósito de desumanizar os árabes.

 

"Ele será um homem jumento selvagem acostumado ao deserto, buscando comida, devorando a todos e sendo devorado por todos..."

 

Aqui, Mischel segue com sua caracterização de Ismael como um ser destinado à violência e ao conflito. No entanto, essa interpretação não leva em consideração o contexto em que essas palavras foram escritas. A descrição de Ismael como alguém "acostumado ao deserto" é mais uma referência à sua vida nômade e à sua adaptabilidade às condições árduas da natureza, algo que era visto de maneira respeitosa em várias culturas antigas, incluindo a tradição judaica. A ideia de que ele estaria "devorando a todos e sendo devorado por todos" é uma hipérbole que reflete o estilo literário da época e, mais uma vez, não deve ser tomada literalmente.

 

Mischel falha em reconhecer que, na Bíblia, os descendentes de Ismael, assim como outros povos, têm momentos de reconciliação e paz com seus vizinhos. A própria Bíblia registra que Ismael e seus descendentes prosperaram e formaram uma grande nação. Portanto, reduzir sua figura a um "bandido" ou "selvagem" é uma interpretação extremamente parcial, projetada para apoiar um discurso de intolerância.

 

"Outros escrevem que Ismael será um 'homem jumento selvagem acostumado ao deserto... Seus filhos aumentarão e farão guerras com todas as nações.'"

 

Aqui, o rabino cita outros comentaristas bíblicos que reforçam sua visão de Ismael como um guerreiro em constante conflito. No entanto, ele seleciona esses comentários específicos ignorando aqueles que destacam outros aspectos de Ismael e seus descendentes. Por exemplo, os descendentes de Ismael, segundo a tradição islâmica e algumas leituras judaicas, são vistos como pessoas de fé, que desempenham um papel importante no desenvolvimento de civilizações e culturas no Oriente Médio. Mischel distorce o quadro mais amplo para criar uma narrativa de "conflito eterno", algo que alimenta o discurso sionista e as tensões contemporâneas no Oriente Médio.

 

Além disso, a referência a "fazer guerras com todas as nações" não é uma profecia literal que deva ser aplicada a todos os descendentes de Ismael ao longo da história. Esse tipo de interpretação fatalista ignora as complexidades da política, cultura e religião. As guerras no Oriente Médio e em outras partes do mundo são muitas vezes o resultado de fatores políticos, econômicos e sociais, não de um "destino" bíblico imposto a um povo inteiro.

 

"Ele será irrestrito entre as pessoas e se rebelará contra toda a humanidade."

 

A ideia de que Ismael e seus descendentes estão destinados a "se rebelar contra toda a humanidade" é uma extrapolação perigosa e inverídica. Isso transforma um povo inteiro em inimigos universais, uma visão que alimenta o racismo e a xenofobia. A verdade é que os povos árabes, assim como qualquer outro grupo étnico ou cultural, têm uma história rica e variada, com contribuições significativas para a ciência, a filosofia, a arte e a cultura mundial. Associar toda a cultura árabe à rebelião e à violência é uma simplificação grosseira e uma distorção maliciosa.

 

"Pereh, a palavra hebraica para 'jumento selvagem', é semelhante a outras palavras hebraicas que começam com as mesmas duas letras..."

 

Neste trecho, Mischel tenta fazer um jogo de palavras com o hebraico, conectando "pereh" (jumento selvagem) com palavras como "pera" (descobrir) e "perach" (florescer), sugerindo que Ismael deseja se livrar de toda subjugação e resistir a qualquer regra. No entanto, esse tipo de conexão etimológica é altamente questionável e pode ser facilmente manipulado para apoiar uma narrativa preconceituosa. A etimologia das palavras, especialmente em línguas antigas como o hebraico, é complexa e muitas vezes aberta a várias interpretações.

 

Além disso, o conceito de "resistir à subjugação" não é necessariamente algo negativo. Muitas culturas ao longo da história valorizaram a liberdade e a resistência à opressão. Na verdade, o próprio povo judeu resistiu a subjugadores ao longo dos séculos, o que não os torna "selvagens" ou "bárbaros". Mischel utiliza uma interpretação negativa desse conceito porque serve à sua agenda de demonizar os árabes e justificar a opressão e ocupação de suas terras.

 

"Esses traços de caráter de 'jumento selvagem' não se limitavam apenas a Ismael, mas definiriam seus muitos descendentes para todos os tempos."

 

Aqui, o rabino faz uma generalização extrema, sugerindo que os "traços" de Ismael são transmitidos de geração em geração, marcando seus descendentes com uma propensão genética para a violência e o conflito. Esse tipo de pensamento é um exemplo clássico de racismo essencialista, que atribui características inatas e imutáveis a um grupo com base em sua ancestralidade. Não há base científica, teológica ou moral para essa visão.

 

O conceito de que um grupo inteiro de pessoas pode ser "definido" por características atribuídas a um ancestral mítico é perigoso e profundamente incorreto. A história e a genética humanas são muito mais complicadas. As pessoas não são prisioneiras de seu passado e, certamente, não estão presas a uma narrativa construída a partir de interpretações seletivas e distorcidas de textos religiosos.

 

"Ele não era um ser humano criado à imagem de Deus?"

 

Esta pergunta retórica revela a contradição no pensamento de Mischel. O rabino reconhece a crença judaica de que todos os seres humanos foram criados à imagem de Deus, o que implica dignidade e valor intrínsecos para todos, independentemente de sua etnia ou religião. No entanto, ele rapidamente abandona esse princípio quando fala sobre os descendentes de Ismael, tratando-os como seres inferiores ou destinados à violência.

 

Essa incoerência é central ao racismo religioso: usar uma doutrina universalista de dignidade humana apenas quando convém e, em seguida, negá-la a determinados grupos para justificar a opressão. O próprio judaísmo, em seus princípios fundamentais, rejeita essa forma de pensamento. A Torá enfatiza repetidamente a importância da justiça e da compaixão, até mesmo para com os estrangeiros e inimigos. Mischel, no entanto, utiliza seletivamente as Escrituras para sustentar uma visão racista que vai contra o espírito ético do judaísmo.

 

"Mas depois que ele se mudou para Israel e experimentou os crimes dos ismaelitas..."

 

Aqui, o rabino Joseph Hayyim Sonnenfeld, citado por Mischel, é usado para justificar o preconceito com base em experiências pessoais com crimes cometidos por árabes. No entanto, esse argumento é perigoso e falacioso. A experiência individual de crime ou violência não pode ser usada para condenar um grupo inteiro de pessoas. Crimes são cometidos por indivíduos em todas as sociedades, e o fato de que alguns árabes possam ter cometido crimes não justifica o racismo ou a generalização.

 

Esse tipo de lógica foi usada ao longo da história para justificar a discriminação e a opressão de minorias, seja contra judeus na Europa, africanos nas Américas ou árabes no Oriente Médio. A condenação de um povo inteiro com base em ações de indivíduos é um dos pilares do racismo e precisa ser firmemente rejeitada.

 

"Isso significa que Ismael está destinado a ser mau e não tem esperança de arrependimento? Certamente que não."

 

Neste ponto, Mischel parece tentar suavizar sua posição, sugerindo que, apesar de sua "selvageria", Ismael e seus descendentes têm a capacidade de se arrepender e canalizar sua "energia" de maneira positiva. No entanto, mesmo essa tentativa de redenção está enraizada em um preconceito fundamental. A "redenção" de Ismael, segundo Mischel, só é possível se ele e seus descendentes aceitarem a primazia de Isaac e do judaísmo. Isso é uma visão profundamente hierárquica e imperialista, que não reconhece a validade das tradições religiosas e culturais árabes ou islâmicas.

 

O Alcorão e a tradição islâmica têm suas próprias narrativas de Ismael, que o apresentam como um profeta e um homem justo. A tentativa de Mischel de condicionar a "salvação" dos descendentes de Ismael à aceitação da superioridade judaica é um reflexo do colonialismo teológico, que busca subordinar outras culturas e religiões à sua própria.

 

"Embora Ismael seja fundamentalmente selvagem, ele também possui a capacidade de canalizar sua selvageria em uma direção sagrada."

 

Essa passagem é uma tentativa de mascarar a visão racista de Mischel com uma fina camada de condescendência. Ele sugere que a "selvageria" de Ismael pode ser redimida, mas apenas se for "canalizada em uma direção sagrada" — o que, implicitamente, significa se submeter à superioridade judaica e aceitar a liderança de Isaac e a autoridade da Bíblia hebraica. Aqui, o racismo essencialista de Mischel encontra eco no supremacismo religioso. Para ele, a única forma de "redenção" para os descendentes de Ismael é subordinar-se a uma tradição religiosa que ele considera superior.

 

Esse tipo de pensamento reflete uma visão colonialista, em que culturas e tradições não ocidentais (ou, neste caso, não judaicas) são vistas como "selvagens", necessitando de civilização ou salvação através da adoção de práticas religiosas ou morais de uma cultura supostamente superior. É uma forma moderna de imperialismo cultural, disfarçada sob o pretexto de reconciliação espiritual.

 

"A Bíblia nos diz que quando Abraão morreu, Isaque e Ismael se reuniram para enterrar seu pai juntos..."

 

Neste ponto, Mischel tenta invocar a imagem de uma reconciliação entre Ismael e Isaac para reforçar sua tese de que Ismael e seus descendentes podem encontrar redenção — mas apenas ao aceitar a supremacia de Isaac e da linhagem de Abraão através de Isaac. Ele cita a passagem bíblica onde ambos os irmãos se reúnem para enterrar seu pai, Abraão, e a interpretação rabínica de que Ismael teria dado precedência a Isaac no enterro como um sinal de arrependimento.

 

No entanto, é importante destacar que, em termos teológicos, esta é uma interpretação altamente parcial. A tradição judaica pode ver essa passagem como uma aceitação da supremacia de Isaac, mas a tradição islâmica, por exemplo, tem uma visão completamente diferente de Ismael, destacando seu papel como ancestral de Muhammad e como profeta em sua própria linhagem. A reconciliação, se existiu, é vista de forma diferente em cada tradição, e não como uma submissão de um povo a outro.

 

Além disso, essa passagem é usada por Mischel para insinuar que os descendentes de Ismael, representados aqui pelos árabes e muçulmanos, precisam "se arrepender" e reconhecer a liderança judaica para alcançar qualquer forma de paz. Essa linha de pensamento ignora os contextos históricos e políticos atuais, onde muitos dos conflitos envolvendo judeus e árabes não têm origem em divergências religiosas, mas sim em questões de ocupação territorial, opressão e direitos humanos.

 

"Os sábios explicam que ao listar Isaque, o filho mais novo, antes de Ismael, seu irmão mais velho, a Bíblia sugere que Ismael deu precedência a Isaque como filho principal de Abraão."

 

Mischel continua explorando uma interpretação rabínica da Bíblia que coloca Isaac em uma posição superior, sugerindo que Ismael "se arrependeu" ao dar precedência a seu irmão no enterro de Abraão. Essa leitura pode ser teologicamente válida para certas escolas de pensamento judaico, mas, mais uma vez, é uma interpretação subjetiva que favorece uma narrativa de supremacia.

 

Na verdade, na tradição islâmica, Ismael é visto como um profeta em pé de igualdade com Isaac. Não há uma hierarquia entre eles, e a narrativa de Ismael na cultura árabe e muçulmana é carregada de respeito e reverência. Ao impor essa interpretação unilateral, Mischel promove uma visão estreita e etnocêntrica da história bíblica.

 

Além disso, essa passagem faz eco de discursos de colonização, onde uma cultura ou grupo é instado a "se arrepender" e reconhecer a supremacia de outra. Essa linha de pensamento é problemática em diversos níveis, pois justifica a opressão e a ocupação sob o pretexto de reconciliação religiosa ou moral.

 

"A reconciliação de Ismael com Isaque não durou, e seus descendentes estão mais uma vez cometendo atos de assassinato e terror em nome de Deus."

 

Aqui, Mischel retorna à retórica da violência para desumanizar os descendentes de Ismael. Ele faz uma generalização perigosa, sugerindo que os "descendentes de Ismael" — ou seja, os árabes e muçulmanos — continuam a cometer assassinatos e atos de terror, perpetuando um ciclo de violência supostamente inerente à sua natureza.

 

Esse tipo de generalização é não apenas inverídico, mas também extremamente prejudicial. Ele ignora as complexidades do mundo árabe e muçulmano, que abrange uma ampla diversidade de culturas, línguas, tradições e sistemas políticos. Associar toda uma comunidade a atos de terror cometidos por extremistas é o equivalente moderno de estereótipos raciais e religiosos que foram usados para justificar atrocidades ao longo da história, como o antissemitismo na Europa ou o racismo contra negros e indígenas nas Américas.

 

A violência e o terror não são características inatas de nenhum grupo ou religião. O terrorismo é um fenômeno complexo, que pode surgir em qualquer sociedade em resposta a uma série de fatores, incluindo opressão política, marginalização social e manipulação ideológica. Reduzir o terrorismo a uma suposta "essência" dos descendentes de Ismael é uma forma de desumanização e racismo.

 

"Mas a reconciliação de Ismael com Isaque é um lembrete de que a porta para o arrependimento está sempre aberta, se apenas os filhos de Ismael puderem encontrar a humildade para atravessá-la."

 

Aqui, Mischel conclui sua argumentação de maneira aparentemente conciliadora, mas na verdade reforça sua visão supremacista. Ele sugere que os "filhos de Ismael" (ou seja, os árabes e muçulmanos) podem encontrar redenção e paz apenas se forem "humildes" o suficiente para aceitar a liderança de Isaac, simbolizando, implicitamente, a supremacia judaica e a primazia da tradição bíblica hebraica.

 

Essa ideia é profundamente problemática, pois condiciona a paz e a reconciliação a uma submissão teológica e política. Em vez de buscar um entendimento mútuo e respeito entre as culturas, Mischel propõe uma visão de hierarquia, onde uma cultura é superior e a outra deve se submeter.

 

No mundo contemporâneo, onde os conflitos entre judeus e árabes são intensamente políticos e territoriais, essa visão religiosa de submissão é inaceitável. A verdadeira paz só pode ser alcançada com respeito mútuo, reconhecimento dos direitos de ambos os lados e um entendimento das complexidades das identidades religiosas e culturais. Colocar o "arrependimento" de um lado como condição para a paz é perpetuar um ciclo de opressão e desigualdade.

Conclusão: Distorções Religiosas a Serviço de uma Agenda Política

 O texto de Mischel utiliza uma interpretação seletiva e distorcida das escrituras bíblicas para justificar uma visão racista e supremacista dos descendentes de Ismael, associando-os à violência, à selvageria e à incapacidade de se submeterem a regras e ordens. Ele constrói essa narrativa para reforçar uma agenda sionista, que busca justificar a ocupação e a opressão de territórios palestinos com base em supostos preceitos religiosos.

 

Esse tipo de retórica é extremamente perigoso porque transforma disputas territoriais e políticas em guerras religiosas e existenciais. Ao retratar os árabes e muçulmanos como inimigos eternos dos judeus, Mischel contribui para a perpetuação do conflito no Oriente Médio, reforçando estereótipos raciais e religiosos que impedem qualquer possibilidade de paz genuína.

 

O verdadeiro caminho para a reconciliação entre judeus e árabes não está na submissão de um lado ao outro, mas no reconhecimento mútuo de suas histórias, identidades e direitos. A paz só pode ser alcançada através do diálogo, da justiça e da igualdade, e não através da distorção de textos religiosos para alimentar agendas políticas.

Bibliografia:

 -The Wild Donkey of Ishmael by Elie Mischel, link: https://theisraelbible.com/the-wild-donkey-of-ishmael/?utm_source=ActiveCampaign&utm_medium=email&utm_content=The%20Wild%20Donkey%20of%20Ishmael&utm_campaign=I365%20-%20Daily%20-%20September%2018%2C%202024%20-%20TIB%20Domain&vgo_ee=rk9PAKYPuloZtZPe3NiOU88xyy7FRHcBDmSqW%2BT7TfUN%2BEnDI5peCbrWGAyjBA%3D%3D%3AfixddPSKVDsf9xCp7pwNkE%2BJZ1JCl9m3