Esta "cegueira seletiva", como alguns psicólogos e filósofos a chamam, revela uma faceta curiosa da nossa natureza: gostamos tanto de histórias que, muitas vezes, escolhemos viver em ficções cuidadosamente construídas para se ajustarem ao que já acreditamos ser verdade.
O ser humano é, essencialmente, uma criatura narrativa. Desde as mais antigas civilizações, as histórias foram a nossa forma de compreender o mundo e de passar ensinamentos de geração em geração. Como afirma o antropólogo Jonathan Gottschall: "Os seres humanos são contadores de histórias. É assim que fazemos sentido do mundo." Assim, quando nos deparamos com eventos complexos e incompreensíveis, a nossa mente procura automaticamente uma narrativa que faça sentido – algo que nos ajude a organizar o caos e a incerteza.
No entanto, há um lado sombrio neste amor pelas narrativas: a predisposição para acreditar em teorias da conspiração e em explicações simplistas. De acordo com a investigação de Karen Douglas, psicóloga social especializada em teorias da conspiração, estas crenças surgem como resposta ao nosso desejo inato de entender o inexplicável. No entanto, em vez de promoverem a clareza, as teorias da conspiração muitas vezes distorcem a realidade, oferecendo um "caminho fácil" para explicar eventos complexos sem ter de enfrentar a angústia da incerteza.
Mas porque é que, perante argumentos racionais, o ser humano continua a preferir a narrativa emocional? A resposta está no próprio funcionamento do nosso cérebro. Quando acreditamos em algo com convicção, o nosso sistema límbico – a parte do cérebro responsável pelas emoções – reage a qualquer informação contrária com desconfiança ou, em casos extremos, com hostilidade.
É como se o cérebro ativasse um "escudo" emocional que impede a entrada de argumentos racionais. Esta reação tem uma explicação evolutiva: proteger o nosso sistema de crenças significa proteger a nossa identidade, algo que o cérebro humano tende a considerar crucial para a sobrevivência social e psicológica.
Experiências em neurociência, como as realizadas pelo professor Drew Westen, revelam que, ao confrontar uma pessoa com informações que contradizem as suas crenças mais profundas, certas áreas do cérebro associadas ao prazer – como o córtex órbito-frontal – são ativadas.
Este processo é conhecido como "viés de confirmação". Ou seja, não só tendemos a rejeitar informações contraditórias, como também sentimos prazer quando encontramos dados que reforçam o que já acreditamos.
O negacionismo, seja ele aplicado às mudanças climáticas, à ciência médica ou a eventos históricos, é uma manifestação extrema desta cegueira seletiva. O filósofo Michel de Montaigne já observava que “é mais fácil nos convencermos de uma mentira agradável do que enfrentar uma verdade dolorosa”.
O negacionismo permite-nos evitar o desconforto da dissonância cognitiva – o conflito entre o que queremos acreditar e o que a realidade nos mostra.
Por exemplo, ao recusar as evidências das alterações climáticas, alguns indivíduos evitam a angústia associada à ideia de um futuro incerto. Recusam-se a aceitar que o mundo como o conhecem possa estar em perigo, preferindo acreditar numa narrativa alternativa que lhes permite continuar o seu estilo de vida sem culpa ou medo.
Este mecanismo de defesa emocional é uma forma de autopreservação, ainda que, a longo prazo, prejudique a compreensão da realidade.
Então, como podemos combater esta tendência para ver apenas o que queremos ver? A resposta pode residir numa educação que incentive o pensamento crítico e a autoconsciência. Para o filósofo Karl Popper, o progresso humano depende da nossa capacidade de submeter as nossas crenças ao "teste da falsificação", ou seja, questioná-las ativamente e procurar evidências que possam prová-las erradas.
Este exercício, que pode parecer simples, exige uma maturidade emocional que nem todos estão dispostos a cultivar.
Outro caminho é desenvolver a humildade intelectual. Como refere o psicólogo Daniel Kahneman, "A confiança excessiva é o maior inimigo do bom julgamento." Aceitar que podemos estar errados e que o mundo é, muitas vezes, mais complexo do que a nossa perceção nos diz, é um primeiro passo para desmantelar a cegueira seletiva. Aprender a lidar com a ambiguidade e com a incerteza pode tornar-nos mais resistentes à sedução das teorias conspirativas e do negacionismo.
O filósofo francês Voltaire escreveu que "aquele que consegue fazer-te acreditar em absurdos, pode fazer-te cometer atrocidades." Esta frase é um lembrete poderoso de que a nossa capacidade de racionalidade é um tesouro que deve ser protegido. No entanto, enquanto não aceitarmos a complexidade do mundo e não aprendermos a lidar com as nossas emoções de forma construtiva, continuaremos a ser vulneráveis à cegueira seletiva.
O primeiro passo para a verdadeira liberdade é, então, a coragem de encarar a verdade – por mais incómoda que ela seja. Afinal, como o neurocientista António Damásio sugere, "não somos máquinas pensantes que sentem, somos máquinas emocionais que pensam."
A nossa mente pode ser um labirinto de emoções e crenças, mas cabe a cada um de nós o desafio de encontrar o caminho da lucidez.