A Carbonária é uma organização fraternal de cunho inciático e político, tendo nascido nos moldes de uma sociedade secreta que tem como principio o aperfeiçoamento moral e cívico humanos, preparando-os para preservar, zelar, usufruir e lutar pela verdadeira Liberdade.

Origens e Expansão: Uma Sociedade Secreta em Defesa da Liberdade

A Carbonária emergiu em Nápoles, Itália, no século XVIII, entre trabalhadores carvoeiros conhecidos como *carbonari*. Esses trabalhadores viviam em acampamentos nas florestas, onde transformavam madeira em carvão, um processo que moldou profundamente o simbolismo e a identidade desta sociedade secreta. Inspirada pelo desejo de liberdade e igualdade, a Carbonária começou a recrutar secretamente indivíduos comprometidos com a luta contra a opressão, fosse ela da nobreza, do clero ou de regimes absolutistas (Fernandes, 2009; Marques, 1987).

Inicialmente localizada na Itália, a organização expandiu-se para França, Portugal, Espanha e, posteriormente, para países da América Latina. Este crescimento refletia a universalidade dos seus ideais, que incluíam a oposição ao absolutismo e o apoio a revoluções políticas e movimentos de unificação, como o *Risorgimento* italiano (Buonarroti, 1828; Foscolo, 1802).

A Estrutura da Carbonária: Simbolismo, Graus e Rituais

A Carbonária baseava-se numa estrutura hierárquica com fortes influências maçónicas, mas adaptava-se à simplicidade e ao simbolismo do trabalho florestal dos *carbonari*. Os locais de reunião eram chamados de “Choças”, “Barracas” ou “Vendas”, refletindo as estruturas dos acampamentos carvoeiros. Os membros tratavam-se por “Primos” ou “Bons Primos Carbonários”, reforçando o espírito de fraternidade (Lima, 1925; Marques, 1987).

Os Graus Iniciáticos
A organização usava graus iniciáticos para transmitir ensinamentos e preparar os membros para a sua missão. Os três graus principais eram:

1. Aprendiz Carbonário: Introduzia o iniciado ao simbolismo e às funções dentro da organização. Neste grau, o membro aprendia virtudes e eliminava vícios, marcando o início da sua jornada moral e cívica.
2. Companheiro Fendedor: Permitindo uma compreensão mais profunda de símbolos e rituais, este grau desenvolvia o caráter moral do membro e a sua capacidade de compreender os objetivos políticos da organização.
3. Mestre Carbonário: Representava a plenitude da formação carbonária. Este grau conferia o direito de ocupar cargos de liderança e envolvia o domínio de conhecimentos históricos e políticos (Marques, 1987).

Cada transição de grau era marcada por rituais simbólicos com elementos como caveiras, punhais, folhas de carvalho e juramentos de lealdade, reforçando o compromisso do iniciado com os ideais da organização (Lima, 1925).

A Carbonária em Portugal: Impacto Revolucionário e Mobilização Popular

Primeiros Passos e Conexão com a Maçonaria
A Carbonária chegou a Portugal no início do século XIX, inspirada pelos ideais revolucionários da Carbonária Italiana. Inicialmente associada à Maçonaria, a organização rapidamente desenvolveu características próprias e tornou-se uma força revolucionária. Desde o início, foi envolvida em eventos históricos decisivos, como a Revolução Liberal de 1820, que marcou o início do constitucionalismo em Portugal (Serrão, 1978).

Mobilização em Números
Durante o governo de João Franco, a Carbonária atingiu o auge da sua influência, mobilizando cerca de 10.000 membros ativos:
- 8.000 em Lisboa, onde liderava iniciativas urbanas;
- 2.000 na Margem Sul do Tejo, especialmente entre trabalhadores rurais.

Estima-se que, ao longo do seu período de atividade, a Carbonária tenha recrutado cerca de **30.000 membros** em Portugal, incluindo operários, militares, estudantes, intelectuais e burgueses (Fernandes, 2009).

O Papel na Implantação da República
A Carbonária desempenhou um papel central na Revolução de 5 de Outubro de 1910, que resultou na queda da Monarquia e na proclamação da República. Líderes como Artur Luz de Almeida e Heliodoro Salgado foram fundamentais na coordenação de redes revolucionárias e no recrutamento de membros. A organização foi também instrumental na “catequização” de quartéis militares, garantindo apoio estratégico para o movimento republicano (Marques, 1987; Lima, 1925).

Rituais, Juramentos e Compromissos

Os membros da Carbonária realizavam juramentos solenes de lealdade e sigilo. O compromisso incluía promessas de sacrificar a própria vida pela liberdade e pela Pátria. Um exemplo marcante deste juramento é: "Juro pela minha honra de cidadão livre guardar absoluto segredo dos fins e existência desta sociedade, derramar o meu sangue pela regeneração da Pátria, obedecer aos meus superiores e que os machados dos rachadores de cada canteiro se ergam contra mim se faltar a este solene juramento"* (Lima, 1925).

Este juramento sublinhava a seriedade e o compromisso exigidos pelos carbonários, que muitas vezes arriscavam tudo pela causa.

Declínio e Legado

Com a implantação da República, a Carbonária perdeu gradualmente relevância, dissolvendo-se em redes políticas e clientelistas. No entanto, em momentos críticos, como as incursões monárquicas de 1911-1912 e a Monarquia do Norte em 1919, a organização voltou a mobilizar-se (Fernandes, 2009).

Embora criticada pelos seus métodos, como referiu Ana Sá Lopes (2010), a Carbonária deixou um legado indelével na história de Portugal. Victor Hugo capturou o espírito revolucionário da época ao afirmar: "Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou."*

Referências

- Buonarroti, P. (1828). História da Conspiração dos Iguais. Paris: Editions Sociales.
- Fernandes, L. R. R. (2009). A Carbonária em Portugal. Dissertação de Mestrado, Universidade de Aveiro. Disponível em [ ria.ua.pt ]( https://ria.ua.pt/bitstream/10773/2811/1/2009001170.pdf ).
- Foscolo, U. (1802). Últimas Cartas de Jacopo Ortis.  Milão: Mondadori.
- Lima, S. M. (1925). Memórias de um Grão-Mestre Maçónico. Lisboa: Tipografia Lusitana.
- Marques, A. H. O. (1987). História da Maçonaria em Portugal. Lisboa: Presença.
- Sá Lopes, A. (2010, Outubro). Filhos da Carbonária. Público.
- Serrão, J. (1978). Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas.