Afonso e Luís cresceram juntos. Reza a tradição que brincavam nos jardins do palácio, aprendendo desde cedo que a nobreza não se media apenas por títulos, mas pela virtude. Entre os dois formou-se uma amizade serena e profunda, marcada pela admiração e pela partilha de ideais. Luís, que mais tarde seria canonizado, deixava já entrever a pureza de caráter e o amor à justiça que definiriam o seu reinado. Afonso, mais reservado e atento, observava e aprendia.
Quando regressou a Portugal, em 1248, para assumir o trono deixado vago pela deposição do irmão Sancho II, D. Afonso trouxe consigo o exemplo do rei francês, com quem partilhara a juventude. O modelo de Luís IX — o monarca que servia Deus através da lei, da justiça e da moderação — tornou-se inspiração para o novo rei português. No modo de governar, na forma prudente com que consolidou o poder e no respeito pela Igreja, reconhece-se a marca da convivência com São Luís.
Mas há uma herança ainda mais visível: a espiritualidade franciscana. Branca de Castela, grande devota de São Francisco, mantinha estreita ligação com os frades menores, e o jovem Afonso nunca esqueceu essa influência. Quando empreendeu a conquista e a integração do sul do reino, levou consigo não apenas soldados, mas também os franciscanos. Foram eles quem acompanharam a expansão para o Alentejo e o Algarve, fundando conventos, pregando a paz e a reconciliação, e levando a luz da fé às novas terras portuguesas.
O reinado de D. Afonso III refletiu assim uma síntese rara entre política e santidade, entre razão de Estado e caridade cristã. A amizade de infância com São Luís de França e a educação sob Branca de Castela deram-lhe um sentido moral do poder que poucos príncipes do seu tempo possuíram. Ambos compreenderam que reinar é servir, e que a grandeza de um rei mede-se pela justiça e pela misericórdia.
A história recorda São Luís como santo e Afonso III como prudente e reformador. Entre o altar e o trono, unia-os a mesma fidelidade a um ideal que Branca de Castela lhes gravara na alma: o de que o poder, sem virtude, é apenas força, e que só a humildade pode torná-lo digno de Deus.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor