25 NOVEMBRO: A REVOLUÇÃO TRAÍDA
(…)
Quando a nossa festa se estragou
E o mês de Novembro se vingou
Eu olhei pra ti
E então eu entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou.
Tinha esta viola numa mão
Coisas começadas noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a espingarda se virou
Foi pra esta força que apontou.
(…)
E então olhei à minha volta
Vi tanta mentira andar à solta
Que me perguntei
Se os hinos que cantei
Eram só promessas e ilusões
Que nunca passaram de canções.
(José Mário Branco, “Eu Vim De Longe, Eu Vou P'ra Longe”, 1982)
As provocações vieram, na quase totalidade, das medidas que o Conselho da Revolução e o VI Governo Provisório de Pinheiro de Azevedo tentaram implantar nas vésperas do 25 de Novembro.
Recordo como exemplos a lei de censura militar, a criação do A.M.I., o planeamento de manobras militares, os ataques às conquistas dos trabalhadores dirigidos contra a Reforma Agrária, as nacionalizações, os contratos colectivos de trabalho e o Poder Popular, o silenciamento por via administrativa, ou à bomba, da informação livre e independente, os saneamentos à esquerda no aparelho de Estado militar e civil, o projecto de dissolução de unidades militares revolucionárias, o afastamento dos membros mais progressistas do CR, os permanentes boatos de uma guerra civil, e da “Comuna de Lisboa”, etc., etc.
No plano civil, as provocações passaram pela auto-suspensão do Governo e a rejeição absoluta de qualquer solução política negociável, com a missão de esmagar o espírito revolucionário e as reivindicações dos trabalhadores da construção civil no cerco ao Palácio de S. Bento.
Na impossibilidade de concretizarem, em toda a sua dimensão, estas e outras medidas contra-revolucionárias — perante a vigilância e resistência das massas populares e dos militares progressistas — decidiram os inimigos da Revolução, passar à acção.
O Plano golpista, contra-revolucionário das forças da direita, que vinha sendo paulatinamente preparado, incluiu, como peça fundamental, a instauração do “estado de sítio” em Lisboa, e o seu isolamento do resto do País. Estratégia em tudo semelhante à que Spínola tentou a 28 de Setembro de 1974.
No livro A Resistência. O Verão Quente de 1975 (de1976), o comandante José Gomes Mota oferece-nos as mais esclarecedoras informações sobre a elaboração do Plano. Segundo o autor, o golpe contra-revolucionário foi preparado contra “os dissidentes”, nomeadamente “gonçalvistas” e comunistas.
No entanto, “a iniciativa (de um confronto militar) teria de partir sempre dos tais “dissidentes” (ob. cit., p. 93). O objectivo do Plano era “evitar qualquer possibilidade de uma guerra civil” e a criação da “Comuna de Lisboa”, preservando e garantindo “a legitimidade revolucionária do Presidente da República» (ob. cit., p. 94).
Neste contexto, as novas estruturas militares, reorganizadas, teriam presença activa no Conselho da Revolução, e aceitariam a “manutenção formal dos órgãos de cúpula do Movimento — Conselho da Revolução e Assembleia do MFA” (ob. cit., p. 95).
Segundo Gomes Mota, a cúpula do “Movimento” golpista, dispunha de dois grupos dirigentes:
Também Vasco Lourenço , na entrevista dada a Manuela Cruzeiro que lhe editou o livro “Do Interior da Revolução” em 2009, faz declarações esclarecedoras da cúpula formada para realizarem um plano que viria a consubstanciar o 25 de Novembro. (Ver das páginas 495 a 507)
Ao grupo militar ,descrito por Gomes Mota, acrescenta os oficiais superiores Galvão de Figueiredo, Aurélio Trindade e José Pimentel. O velho argumento para justificar este golpe de direita é o inventado golpe a ser realizado pelos comunistas como foi propagandeado de Mário Soares (e do grupo dos Nove).
Soares chegou a falar com o governo Inglês com o mesmo propósito e foi impedido por Carlucci de consumar o pedido a Espanha para o Franco invadir Portugal no Verão Quente.
O embaixador americano tinha outras alternativas e serviu-se de Eanes e Jaime Neves para as realizar com provocações e calunias lançadas.
Também aqui surge uma voz dissonante mas clarificadora. O General Franco Charais, com já foi referido num dos seus livros de 2013 afirma categoricamente : “Para mim o 25 de Novembro não foi uma tentativa de golpe de Estado da esquerda revolucionária e/ou do PCP mas uma simples rebelião dos para-quedistas abandonados pela suas chefias”
Os factos que passo a descrever comprovam a existência deste Plano, a que a sublevação dos Pára-quedistas apenas serviu de pretexto:
A 24 de Novembro de 1975 Vasco Lourenço assumiu o comando da Região Militar de Lisboa, em substituição de Otelo Saraiva de Carvalho. Vinte anos depois destacou o papel de Ramalho Eanes como “responsável por organizar o Plano de operações”, e de ser “o principal comandante operacional”, não cedendo às pressões dos militares mais radicais (Revista História, 14, Novembro de 1995, pp. 37-38).
Aliás, o papel de Eanes manifestou-se claramente logo após a vitória do golpe, com a ascensão a Chefe do Estado-Maior do Exército (interino em 27-11-1975 / efectivo em 9-12-1975).
Cerca das 10 horas da própria manhã do dia 25, prontos para desencadear as operações, os conspiradores — numa diligência conjunta do Grupo dos Nove, Ramalho Eanes, Jaime Neves e oficiais dos Comandos da Amadora — procuraram e conseguiram obter a aprovação e cobertura institucional do Presidente da República, general Costa Gomes (O Último Marechal, 1998, p. 357).
Em 1998, Melo Antunes fala-nos da acção militar do Grupo dos Nove na preparação do golpe: “Além das acções legais ou semilegais a que deitámos mão para obter a supremacia militar, também desenvolvemos acções clandestinas para nos prepararmos para uma confrontação que eu julgava inevitável. (...) Tínhamos uma organização militar em marcha” (Vida Mundial, Dezembro de 1998, p. 50.) A preparação do golpe também contou com o alistamento de muitos Comandos, que “deixaram os seus postos civis para estarem operacionais”, e com a substituição de Corvacho em Setembro de 1975, por Pires Veloso, no comando da Região Militar Norte. Não foi por acaso que, no dia 25 de Novembro, várias Companhias do Norte vieram ajudar o golpe, para depois levarem os militares revolucionários presos para Custóias.
O golpe da direita reaccionária não permitiu a implantação em Portugal de um regime ditatorial idêntico ao do Chile, mas abriu as portas à social-democracia neoliberal e fez germinar as sementes do fascismo, que prosperam em Portugal e no mundo. Neste processo, recordo o papel desempenhado à época pelo Partido Socialista de Mário Soares, que conduzido por um anticomunismo patológico (idêntico ao da Democracia Cristã de E. Frei no Chile) revelou a incapacidade de compreender o contexto político português. No entanto, tal como no Chile, a perseguição dos militares progressistas foi uma realidade, de maneira a assegurar o triunfo do golpe, faltando serem torturados e assassinados num qualquer Estádio de Futebol. Por outro lado, a lei da busca de armas visou intimidar a classe operária e fornecer pretextos para a desarticulação das suas organizações, particularmente das estruturas sindicais e dos partidos de esquerda.
Recordo ainda as acções desestabilizadoras de alguns elementos da extrema-esquerda, nomeadamente do MRPP e da AOC/PCP (m-l), que contagiados pela ideia da implantação de uma “ditadura social fascista” em Portugal serviram bem os governos de direita e melhor traçaram o futuro do país.
Ao longo dos anos, os governos do PSD e do PS confundiram a “normalização democrática” com a estabilidade da permanência no poder, e enalteceram, com algum êxito, as suas políticas desestabilizadoras nos sectores fundamentais da sociedade. Recordo aqui as contradições enunciadas por Álvaro Cunhal na sua obra A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (2016), no contexto da “institucionalização da contra-revolução” (pp. 298-303), em que a bipolarização do poder político provocou a desestabilização económica com a restauração dos grandes grupos monopolistas, o encerramento de grandes empresas de sectores estratégicos, a liquidação de milhares de pequenas e médias empresas, a destruição da reforma agrária e do aparelho produtivo.
As políticas económicas conduziram à desestabilização social, ao desemprego (com a liquidação de centenas de milhar de postos de trabalho), à perda dos direitos fundamentais dos trabalhadores, à crise da agricultura e das pescas, e à destruição de milhares de pequenos comerciantes e industriais.
A esta desestabilização social somou-se a desestabilização cultural resultante, por um lado, da contradição entre o aumento positivo da escolaridade e da frequência de cursos médios e superiores, e a falta de saídas profissionais correspondentes.
Por outro lado, o surto de actividades literárias e artísticas, a par dos avanços das ciências, contrastaram com o renascimento, difusão e propaganda de superstições e crendices medievais.
A liquidação dos mecanismos de fiscalização de acção governativa, e a bipolarização forçada, conduziram à desestabilização económica, social e cultural, como garantia de um futuro que se pretendeu irreversível. O PS, e o PSD com o CDS-PP à ilharga, na alternância do poder, apregoaram e apregoam a estabilidade governativa, mas são fervorosos praticantes da desestabilização social.
Por terem institucionalizado os objectivos fundamentais da contra-revolução, no texto constitucional, consideram-se intocáveis e protegidos por princípios universais a que chamam “Estado-de-Direito”.
Manuel Duran Clemente