Quando um governo anuncia que vai dedicar “5 % do PIB” para compras militares com os EUA, cria-se um manto de inevitabilidade: “isto é para nossa defesa, não se pode questionar”. Mas, quem paga efetivamente essa conta? São os contribuintes, as empresas que veem recursos desviados para importações de sistemas militares, as políticas sociais que ficam sem margens orçamentais para investir em saúde, educação ou infraestrutura.
E, ao longo do tempo, esse “sacrifício” vai corroendo a competitividade da economia nacional, porque retira recursos que poderiam financiar inovação, desenvolvimento industrial ou diversificação. Um país que gasta bilhões em compras externas de material de segurança está condenando a si próprio a permanecer um importador tecnológico, não um produtor.
Vinte anos de compromissos militares com o exterior criam duas problemáticas interligadas:
Endividamento contínuo: Para cumprir contratos bilaterais ou acordos de compra, muitas vezes recorre-se ao crédito externo ou à emissão de títulos. Isso gera encargos futuros, juros elevados e vulnerabilidade cambial.
Dependência estratégica: Ao comprar sistemas fechados (armas, aviões, sistemas de defesa) de países estrangeiros, você fica refém da manutenção, atualizações, remessas de peças e licenças. E pagar por essas peças, por vezes durante décadas, é um fluxo contínuo que drena recursos públicos praticamente sem controle.
O resultado? Em 20 anos, não construímos autonomia — criamos grilhões.
Recentemente, os EUA introduziram tarifas de 15 % para impor penalidades a países com superávits comerciais ou práticas consideradas “desleais” por Washington. Correio da Manhã+1 Esta tarifa funciona como um freio sobre produtos exportados, reduzindo a competitividade externa e diminuindo o poder de negociação comercial dos países impactados — inclusive na Europa.
Mas o impacto real vai além: agrava tensões comerciais, ameaça cadeias de valor integradas e eleva os custos para empresas que dependem de insumos ou mercados transatlânticos.
Em vez de comprometer 5 % do PIB por décadas com compras exteriorizadas, poderíamos ter:
Fortalecido a indústria nacional de defesa — gerando empregos, know-how e capacidade de exportação.
Aplicado parte desse montante em pesquisa e desenvolvimento, para tornar possível competir em outras frentes tecnológicas, civil ou comercial.
Construído uma margem de manobra orçamental para crises externas — pandemias, choques de energia, guerras — em vez de estar comprometido em pagar faturas militares.
Ou seja: enquanto apostávamos tudo em “armas prontas”, fomos perdendo a capacidade de construção.
A nova tarifa de 15 % e os custos já amortizados em contratos antigos estão a bater à porta. Os efeitos se espalham em inflação, retração exportadora e pressão sobre setores que dependem de comércio com os EUA.
O governo e a classe política enfrentam duas opções:
Continuar no ciclo: manter os compromissos com os EUA, aceitar a penalidade tarifária e esperar que “mercados, diplomacia ou acordos” reduzam os danos.
Romper o padrão: questionar o pacto militar-econômico que nos tornou reféns, renegociar contratos, promover substituição produtiva e buscar diversificação comercial com consciência estratégica.
A opção de continuar é confortável politicamente — pois exige pouco enfrentamento —, mas é suicida no longo prazo.
Este não é um problema de “defesa ou segurança” — é, antes, um problema estrutural de política econômica e soberania nacional. Se deixarmos passar duas décadas da mesma forma, estaremos condenados a 20 anos a mais de penar: pagando faturas externas, perdendo competitividade, sufocados por tarifas punitivas e reféns de contratos que nos aprisionam.
É hora de despertar. Não se trata simplesmente de recuar — trata-se de repensar os rumos. É hora de dizer: não vamos mais pagar para sermos dependentes.