Figura central no panorama cultural português, Júdice assumiu papéis de relevo, tais como o de director da prestigiada revista Colóquio/Letras, e o de membro do Conselho de Curadores da Fundação Saramago, evidenciando o seu compromisso inabalável com a promoção e disseminação da literatura e do pensamento crítico.
A sua obra, uma imponente coleção que soma mais de 80 títulos, entre contos, romances e ensaios, é um testemunho eloquente da sua capacidade de navegar por diversos géneros literários, explorando a condição humana, o amor, a memória e a finitude com uma sensibilidade e profundidade raras. Cada palavra, cada verso, cada narrativa de Júdice é um convite à reflexão, um mergulho nas profundezas da alma e um olhar atento sobre as nuances da existência.
Hoje, enquanto o país se despede de uma das suas mais brilhantes estrelas literárias, resta-nos a certeza de que, embora Nuno Júdice tenha partido, a sua voz permanecerá viva e pulsante nas páginas que deixou para trás. A sua poesia, os seus ensaios, as suas narrativas são agora documentos de uma sensibilidade única, testemunhos de uma vida dedicada à arte das palavras.
Descansa em paz, Nuno Júdice, e que as tuas palavras continuem a ser um bálsamo, um desafio e um convite à descoberta para todos aqueles que buscam na literatura o sentido mais profundo da existência.
Mar
No inverno, as praias desertas enchem-se de espuma
e de gaivotas. Ouço o rebentar das ondas contra a falésia;
e respiro o ar salgado com a impressão luminosa
da manhã. À noite, esta imagem transforma-se
numa simples memória: e colo-a ao vidro da alma
para não me esquecer do que vi, sabendo que um
dia a poderei usar, no poema, onde o mar se irá
transformar nesta imagem que guardei, numa
manhã de inverno.
Porém, não ouço no fundo das palavras
a rebentação da maré; nem respiro, por entre
os versos, o frio húmido de um litoral onde aprendi
as cores exactas da manhã. O poema não passa de
um mapa onde acompanho, na linha dos substantivos,
a corrente do mundo, e imagino, na mancha
de cada adjectivo, a forma das paisagens. E desfolho
as estrofes numa viagem abstracta, em busca
das grandes praias da vida.
Mas o mar continua colado ao vidro
da minha alma, embaciando o que escrevo
com o seu ritmo matinal.
Nuno Júdice