Um alerta para a erosão do Estado de Direito: entre o direito à habitação e a justiça, um apelo à consciência para os riscos de decisões políticas que fragilizam a democracia.

Há dias que marcam a história de uma nação. O dia 31 de outubro de 2024 ficará inscrito como o momento em que três forças políticas, Chega, PS e PSD, decidiram colocar em risco os pilares do Estado de Direito, propondo que inquilinos de habitações municipais que cometam crimes possam ser despejados.

Esta decisão desafia não só o conceito de justiça, mas também o próprio princípio da dignidade humana, ao agravar uma sentença já imposta pelos tribunais.

Imagine um cenário onde alguém, já julgado e punido pela Justiça, vê o seu direito à habitação revogado, não por ordem judicial, mas por decisão de um órgão municipal. E aqui reside a questão central:  quem somos nós para dobrar a lei, para adicionar castigos aos já decididos pelo sistema de justiça?

O Princípio do Estado de Direito

Vivemos numa sociedade regida pelo Estado de Direito, onde as decisões de justiça cabem aos tribunais, e não a políticos ou gestores municipais. Esta decisão levanta um problema ético e jurídico profundo. Ao permitir o despejo de inquilinos que cometem crimes, Chega, PS e PSD colocam-se acima da lei, assumindo o papel de juízes e executores, uma função que não lhes compete.

Segundo Isaías, o profeta bíblico, "O Senhor entra em juízo contra as autoridades e contra os líderes do seu povo. Vocês arruinaram a vinha, e o que foi roubado dos necessitados está nas suas casas." (Isaías 3:14). Esta citação ecoa como um alerta: um governante justo não rouba aos necessitados aquilo que lhes foi dado em nome da dignidade humana e do bem-estar social.

A Habitação como Direito Fundamental

O direito à habitação é um dos direitos fundamentais garantidos pela nossa Constituição. Despejar alguém por ter cometido um crime, além de ser uma "pena extra" não prevista nos tribunais, cria uma dupla penalização que fere o próprio conceito de justiça. Uma pena extra que ignora o princípio básico de que todos têm direito a uma segunda oportunidade e a viver com dignidade, independentemente dos erros cometidos.

A CDU, única força política a votar contra esta proposta, lembrou através da vereadora Fernanda Santos que esta "dupla penalização" prejudica o próprio direito à habitação, deixando claro que os direitos humanos devem prevalecer sobre sentimentos de vingança ou medo.

Investimentos que Revelam Prioridades

Enquanto se votam despejos, recursos financeiros são canalizados para luxos, como os 8 milhões de euros destinados a um espaço mantido pela Igreja Católica, um dos maiores detentores de riqueza em Portugal. Em vez de se investirem estes milhões em 50 novas habitações sociais, opta-se por luxos que não são prioritários para a maioria dos cidadãos.

Este desvio de recursos demonstra uma prioridade institucional mal orientada, um sintoma de uma política que parece cada vez mais afastada das necessidades reais das pessoas.

O Desafio da Equidade na Aplicação da Justiça

O recente caso de um jovem que morreu em confrontos com a polícia levanta também questões sobre como a justiça é aplicada. Quando um cidadão, aparentemente sem arma, é morto pelas forças de segurança, surgem perguntas sobre o uso de força desproporcional e a ausência de investigações profundas. As associações SOS Racismo e o movimento Vida Justa já exigiram uma investigação “séria e isenta”, para esclarecer as circunstâncias do incidente.

Esta situação reforça a sensação de que vivemos numa sociedade onde há "dois pesos e duas medidas". Enquanto alguns enfrentam penas duras e duplicadas, outros permanecem intocáveis, mesmo quando a justiça deveria ser aplicada de forma imparcial.

Um Apelo ao Voto Consciente

Neste momento, mais do que nunca, é importante que todos nós, enquanto cidadãos, pensemos nas implicações de cada decisão política. Devemos lembrar que um Estado de Direito existe para proteger todos, e não apenas os que têm poder e influência. Por isso, apelamos  à consciência dos leitores, para que reconheçam quais são os partidos que, neste momento, estão a prevaricar e a agir contrariamente às leis democráticas do país e ao Estado de Direito.

É essencial recordar aos representantes de Chega, PS e PSD que a justiça é imparcial e não deve ser dobrada à conveniência de nenhum partido**. E que o direito à habitação é um direito fundamental que não deve ser usado como moeda de troca ou arma de punição.

Ao votarmos, façamos escolhas que defendam um país mais justo e onde o Estado de Direito e a dignidade humana estejam sempre no centro das decisões.