O recente relatório divulgado pelo Grupo Vita, constituído para acompanhar casos de abuso sexual no seio da Igreja Católica em Portugal, trouxe à tona uma realidade chocante: mais de 50 vítimas de abuso sexual já solicitaram compensações financeiras.

Este número, que inclui tanto crianças como adultos vulneráveis, ilustra não apenas a gravidade da crise, mas também o esforço contínuo para obter justiça num processo doloroso e longo.

Segundo o artigo publicado no jornal *CM*, o Grupo Vita, criado pela Conferência Episcopal Portuguesa em abril de 2023, já contactou 112 vítimas, sendo que 51 delas avançaram com o pedido de compensação. Destas, 26 vítimas já estão a receber acompanhamento psicológico regular, uma medida fundamental para a sua recuperação emocional e mental, como referiu Rute Agulhas, psicóloga envolvida no processo. A Igreja, sob pressão para adotar medidas mais eficazes e transparentes, terá de alocar pelo menos 1,5 milhões de euros em indemnizações até ao final deste ano.

A Igreja Católica, outrora vista como uma autoridade moral inquestionável, enfrenta agora o difícil desafio de responder à altura das expectativas da sociedade moderna e das suas próprias doutrinas de compaixão e justiça. O Grupo Vita, num gesto de responsabilidade, propôs à Igreja uma "revisão" dos regulamentos, adaptando-os para que reflitam mais equitativamente o sofrimento das vítimas e a necessidade de um apoio efetivo. Este processo surge num contexto em que mais de 4815 vítimas foram já identificadas pela Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais.

A Cidadania em Ação

Este cenário levanta uma questão central sobre o papel da cidadania na proteção dos mais vulneráveis. A decisão das vítimas de avançar com pedidos de indemnização é um claro exemplo de cidadania ativa, onde indivíduos recorrem aos mecanismos legais para reivindicar os seus direitos. Contudo, a sociedade também tem um papel crucial: garantir que estes casos sejam tratados com a devida seriedade e que o apoio às vítimas seja prioritário em qualquer processo de reparação.

A defesa das vítimas neste contexto vai além da compensação financeira. Trata-se da recuperação da sua dignidade, do reconhecimento do trauma sofrido e do combate à impunidade. A igreja, ao longo dos séculos, esteve no centro da vida de milhões de pessoas em Portugal e pelo mundo fora. No entanto, é imperativo que a instituição reconheça os seus erros e atue em conformidade com os princípios éticos e morais que promove.

Ao condenarmos estes atos, não estamos a condenar a fé de milhões de pessoas, mas sim a responsabilizar aqueles que, em nome de uma instituição, abusaram da sua posição de poder. Como cidadãos, é nossa responsabilidade exigir transparência, justiça e a proteção incondicional das vítimas, independentemente da sua idade, posição social ou religião.

Como afirmou Albert Einstein, "O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os observam sem fazer nada." É um dever de cidadania ativa exigir que todas as vítimas de abusos sexuais, dentro ou fora da Igreja, recebam não apenas compensação, mas também a garantia de que os seus agressores serão responsabilizados. E, acima de tudo, que este ciclo de violência nunca mais se repita.

A sociedade, e particularmente a Igreja Católica, enfrenta agora uma encruzilhada moral. A resposta da Igreja a este escândalo será fundamental para restaurar a confiança perdida e demonstrar um compromisso renovado com os valores que, em teoria, sempre defendeu.

--