Museu Nacional de Soares dos Reis

O Museu Nacional de Soares dos Reis recebeu a doação de uma coleção de arte privada, que a instituição classificou como a “mais importante” da sua história, com obras de artistas que vão de António Carneiro a Paula Rego.

“No âmbito das doações particulares, esta doação é a mais importante de toda a história do museu e testemunha o reconhecimento, por parte dos colecionadores, da capacidade de o Museu Nacional Soares dos Reis em conservar, estudar, divulgar e potenciar junto do público uma coleção reunida ao longo de décadas”, pode ler-se num comunicado da instituição.

No mesmo texto, o museu nacional sediado no Porto indicou que a coleção Cândida e Vasco Duarte Silva é composta por centenas de obras de pintura, escultura, faiança, ourivesaria, entre outros formatos.

“É uma coleção muito relevante, é uma enorme oportunidade porque vamos incorporar várias centenas de peças”, disse à Lusa o diretor do Museu Nacional de Soares dos Reis, António Ponte, salientando que se trata de “uma coleção bastante diversa e que vem enriquecer e até colmatar algumas falhas da coleção” do museu.

Vale recordar o passado anti absolutista deste Museu, pois nasce do Museu de Pinturas e Estampas e outros objetos de Belas Artes, criado em 1833 por D. Pedro IV de Portugal, o liberal primeiro Imperador do Brasil e anti absolutista que o derrotou em guerra civil, para guardar os bens sequestrados aos absolutistas e conventos abandonados na guerra civil (1832-34).

Com a extinção das ordens religiosas recolheram-se obras, entre outros, nos mosteiros de Tibães e de Santa Cruz de Coimbra.

Conhecido como Museu Portuense, ficou instalado no extinto Convento de Santo António da Cidade, na praça de S. Lázaro, vindo a ser formalizado por decreto em 1836 por D. Maria II.

Em 1839 passou para a direção da Academia Portuense de Belas Artes, que promoveu uma série de exposições onde foram premiados notáveis artistas como Soares dos Reis, Silva Porto, Marques de Oliveira e Henrique Pousão, em sucessivas gerações de mestres e discípulos.

Com a proclamação da República passou a designar-se Museu Soares dos Reis em memória de um dos mais destacados nomes da Arte Portuguesa.

Em 1932 passou à categoria de Museu Nacional, época marcada por uma reorganização significativa de Vasco Valente, através da incorporação dos objetos do Paço Episcopal do Porto (Mitra) e do Museu Industrial, bem como do depósito das coleções do extinto Museu Municipal.

Segue-se a instalação do Museu no Palácio dos Carrancas onde, no âmbito das Comemorações Nacionais de 1940, foi inaugurada a exposição A Obra de Soares dos Reis.

Na década de 1950, o Museu Nacional Soares dos Reis investiu na atualização das coleções de Pintura e Escultura com obras de artistas contemporâneas, tendência que, após o 25 de Abril de 1974, tem continuidade no Centro de Arte Contemporânea (CAC), ponto de partida para o Museu Nacional de Arte Moderna, atual Fundação de Serralves.

O Instituto Português de Museus marcou a remodelação do Museu Nacional Soares dos Reis em 2001 com o projeto de arquitetura do atelier de Fernando Távora dotando-o de novos espaços de reservas, exposições temporárias, auditório e serviço de educação.

A lista partilhada pelo museu aponta para nomes como Abel Salazar, Alvarez, Ana Jotta, Ana Vidigal, António Carneiro, António Palolo, Artur Loureiro, Ayres de Gouveia, Cargaleiro, Cruzeiro Seixas, Eduardo Luiz, Ernesto Condeixa, Francisco José de Resende, Fernanda Fragateiro, Francisco Smith, Jorge Queirós, Júlio, Júlio Resende, Mário Botas, Marques de Oliveira, Nikias Skapinakis, Paula Rego, Pedro Cabrita Reis, Pedro Portugal, Sá Nogueira, Sousa Pinto, entre outros.

Questionado sobre o âmbito temporal dos artistas em causa e a sua integração no museu, visto que estão incluídas várias figuras contemporâneas, António Ponte realçou que, apesar de o Soares dos Reis estar mais ligado à arte do século XIX, há também uma conexão às últimas décadas artísticas, tendo em conta, em particular, a história do Centro de Arte Contemporânea (CAC), que funcionou entre 1976 e 1980 e veio a dar origem à Fundação de Serralves.

“Nessa lógica desse trabalho, dessa contemporaneidade, esses artistas vão ter lugar para aquilo que queremos que seja a rotatividade das peças em exposição”, afirmou António Ponte.

O diretor do museu lembrou que, em junho, vai ser inaugurada uma exposição dedicada ao CAC, com curadoria de Miguel von Hafe Pérez, no contexto dos 50 anos do 25 de Abril.

Sobre a coleção doada, o museu sublinhou, em comunicado, que as peças em causa vão ser agora estudadas e tratadas para serem depois incluídas quer na exposição de longa duração quer em mostras temporárias.
António Manuel Soares dos Reis nasceu a 14 de outubro de 1847, no lugar de Santo Ovídio, freguesia de Mafamude, concelho de Vila Nova de Gaia.

Recebeu o apelido "dos Reis", de seu avô materno, António José dos Reis.

Soares dos Reis desde cedo se fizeram notar os seus dotes artísticos.

Às escondidas do pai, talhava pequenos bonecos em madeira e modelava santinhos de barro que expunha ao Sol, no quintal.

Essas figuras foram notadas pelo vizinho Diogo de Macedo e pelo pintor Resende que convenceram o pai de Soares dos Reis a enviá-lo para a Escola de Belas Artes.

Foi assim que, em 1861, com apenas 14 anos, se matriculou na Academia Portuense de Belas Artes, onde foi aluno de Fonseca Pinto, tendo concluído o curso de escultura em 1866.

Aos 20 anos tornou-se pensionista do Estado no estrangeiro e em 1867, tendo vencido o concurso com um busto, Firmino, com o espírito romântico que a escultura portuguesa não conhecera ainda, parte para Paris, onde frequentou o atelier de François Jouffroy e a École Imperiale et Speciale des Beaux Arts, recebendo aulas de Adolphe Yvon e de Hippolyte Taine.

Também aqui Soares dos Reis alcançou a classificação de n.º 1 do curso, distinção que levou os seus colegas a batizá-lo com o epíteto de voleur des prix (ladrão de prémios).

Mas a eclosão da Guerra Franco-Prussiana obrigou-o a regressar ao país.

Por instâncias dos seus professores da Academia Portuense é enviado para Roma, a fim de completar o período de pensionato, sem assumir qualquer professor.

Soares dos Reis chegou à Cidade Eterna em 1871 e foi aqui que executou uma das suas obras mais românticas e originais, O Desterrado, sua obra maior.

Obra formalmente clássica, O Desterrado é também a nostalgia da Pátria distante uma «estátua da saudade».

De inspiração classicista, a obra (na altura tida como plágio, o que iria angustiar durante muito tempo o escultor) é um notável trabalho dos volumes, permitindo jogos de luz e sombra, a acentuarem o sentido do título.

A obra exerceu influência direta sobre obras da subsequente geração de escultores.

Resultado do seu contacto com a escultura europeia da época, a fase seguinte da obra de Soares dos Reis, para além do virtuosismo técnico da sua execução, iria ser marcada pelos valores do realismo, patentes, em várias obras.

Chegado ao Porto em 1872, Soares dos Reis foi recebido pelos seus conterrâneos com aplausos e admiração, sendo nomeado Académico de Mérito da Academia Portuense de Belas Artes, em 1873.

Em 1875, é nomeado Académico de Mérito pela Academia de Belas Artes de Lisboa.

E em 1878 recebe uma Menção honrosa na Exposição Universal de Paris.

Até 1880, o escultor produziu, expôs e foi reconhecido por diversos trabalhos.

Foi um dos fundadores do Centro Artístico Portuense, organismo que muito contribuiu para a difusão das artes plásticas no país.

Contudo, Soares dos Reis será acusado de plagiar a estátua de Ares do Museu das Termas — e mais tarde dir-se-á mesmo que não era ele o autor d’O Desterrado, acusações que atingiram profundamente o artista.

A obra é exposta em 1874 na Academia e em 1881 obtém uma medalha de ouro em Madrid sendo agraciado com o Grau de Cavaleiro da Ordem de Carlos III.

O Desterrado

Obra revolucionária para a época, revelando qualidade e inspiração pessoal, O Desterrado é bem a expressão de uma certa ideia de Pátria a que os Vencidos da Vida se acordarão. Soares dos Reis fará posteriormente a estátua do Conde de Ferreira (1876), de D. Afonso Henriques (1887), de Brotero(1888), os retratos de Hintze Ribeiro, Correia de Barros e Fontes Pereira de Melo e os bustos da Viscondessa de Moser (1884) e «da Inglesa» (1887).

Aceitou outras encomendas menores, por desespero e falta de outras — santos para confrarias, ornatos para estuques, gravuras para O Occidente, etc.

Em 1881 é nomeado professor da Escola de Belas-Artes do Porto, onde pretende reformar o ensino da escultura, contando com a oposição obstinada dos seus colegas.

Expõe em Paris, em 1881, na Exposição Universal.

O seu ecletismo revelou-se na escultura de temática religiosa, onde também deixou uma marca naturalista (Cristo Crucificado, 1877) ou evocadora de um certo goticismo (São José e São Joaquim, peças esculpidas para a frontaria da capela da família Pestana, no Porto).

A 15 de julho de 1885, casa em Mafamude, com Amélia Aguiar de Macedo, de quem teve dois filhos: Raquel Engrácia de Macedo Soares dos Reis (1886-1952) e Fernando de Macedo Soares dos Reis (1888-?), que viriam a falecer sem deixar descendência.

Dedicado à divulgação da escultura, leccionou nos cursos noturnos do Centro Artístico Portuense, de sua iniciativa.

Sofrendo, na sua intenção de renovar o ensino da escultura, a oposição de outras figuras ligadas às instituições da época, o escultor, de temperamento depressivo, abandona o Centro Artístico Portuense em 1887 e, dois anos depois, em 1889, suicida-se no seu atelier em Vila Nova de Gaia.

É encontrado apoiado à sua mesa de trabalho. Desfechara um tiro de revólver contra a cabeça.

Na parede branca atrás da cadeira onde ficou sentado, escrevera: «Sou cristão, porém, nestas condições, a vida para mim é insuportável. Peço perdão a quem ofendi injustamente, mas não perdoo a quem me fez mal».

Tinha 41 anos e foi sepultado no cemitério de Mafamude, na localidade onde nascera, numa sepultura de mármore com o busto da Saudade, obra de sua autoria.

Incapaz de se sobrepor à incompreensão e ao descrédito lançados contra o seu valor artístico e de enfrentar a obstrução sistemática aos seus esforços de inovação como docente, recorreu ao suicídio, deixando uma obra ímpar na escultura da segunda metade do século XIX.

«Porto, 16 – Suicidou-se hoje às 08h00 da manhã, na sua casa da Rua de Luís de Camões, em Vila Nova de Gaia, disparando dois tiros de revólver na cabeça, o eminente estatuário Soares dos Reis, lente de escultura na Academia de Belas Artes e autor de verdadeiras obras primas. (…) São desconhecidas as causas que determinaram o suicídio.» In “Diário de Noticias”, 17 de fevereiro de 1889.

Joffre Justino

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