Primeiro encontro da canção portuguesa, 29.03.74

Perdi muita coisa na vida e este encontro foi um deles saído que estava ( a 15.03.74) da prisão política de Caxias e com uma mae falida por ter tido de pagar duas cauções ( a minha e a de meu irmao Fernando Justino) pouco podia gastar em distrações…

Mas sim ha que homenagear eventos assim alias bem característicos da chamada oposição democrática ( eu estava no campo da oposição revolucionária…) e que merecem sim ser lembrados como merecem bem mais respeito toda a atividade anti colonial desses esquerdistas “de antanho” ( já lá vão mais de 50 anos …), que nunca ( à exceção do esquecido José Manuel Felix Ribeiro) serão claro lembrados…

Tambem na realidade agimos para agir e nao para sermos lembrados!

Mas comecemos por citar Isabel Novais do Serviço de Fonoteca

“Foi no Coliseu dos Recreios, a 29 de Março de 1974, no final do 1.º Encontro da Canção Portuguesa, e onde se juntaram, como nunca até então, tantos cantores da música de intervenção, que três mil pessoas se ergueram para com eles cantar Grândola, vila morena. “Grândola fora a única canção que não sofrera cortes da Censura e que sintetizava tudo o que desejávamos dizer a milhares de pessoas nessa noite”.
Grândola, vila morena fora escrita por Zeca Afonso em 1964, em homenagem à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde o Zeca atuara juntamente com Carlos Paredes. Mas só foi cantada a primeira vez ao vivo em 1972, na Galiza, em Santiago de Compostela. Seguiu-se, em 1973, a gravação em disco.
Nessa noite no Coliseu, “Milhares de pessoas de pé, abraçadas, de isqueiros acesos” acompanharam Zeca Afonso e saíram “a cantá-la, já depois da 1 hora da manhã, para uma Lisboa cheia de polícias a cavalo, de carros de água e de agentes com pastores alemães pela trela […]. Todos sentíamos que algo de decisivo estava prestes a acontecer, mas ignorávamos como, quando e onde”. (Letria, José Jorge, E tudo era possível: retrato de juventude com Abril em fundo, Lisboa, Clube do Autor).

Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço eram dois dos muitos militares opositores ao regime que estavam nesse concerto, e foi ao ouvir, de três mil vozes, as palavras “O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ò cidade” que perceberam que estava escolhida a senha musical para o levantamento do 25 de Abril.
Isabel Novais
Serviço de Fonoteca”

Supomos e ainda bem que os registos desses momentos ja foram classificados como Património Nacional.

O espetáculo esteve quase para não acontecer, e a polícia no local preparava-se com a Censura a ter proibido mais de trinta canções.

Mas o Coliseu estava lotado com cerca de cinco mil pessoas a comprarem o bilhete por 20 escudos ou por 50 escudos se no mercado negro e tudo seguiu em frente… o escândalo do 16 de março ja bastava!

Com Joaquim Furtado a apresentar os prémios da noite, passaram pelo palco músicos como Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo, Carlos Paredes, Manuel Freire, José Jorge Letria, Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Vitorino e o poeta José Carlos Ary dos Santos, entre outros e José Afonso só cantou nesse espectáculo duas canções, a "Grândola, Vila Morena" e "Milho Verde". 

Cerca das duas manhã, sobem todos os intervenientes no espetáculo ao palco para uma última atuação e “Então, vamos outra vez cantar o Grândola", disse Zeca Afonso, que teria preferido cantar no fecho "Venham mais cinco" ou "O que faz falta", por terem refrões mais politizados mas optou por cantar o "Grândola", uma das poucas canções que havia escapado à censura, acompanhado por todos os cantores em palco e com um coro dos milhares de espectadores que nem imaginavam o quanto o Grandola faria História Mundial

E assim menos de um mês depois, a canção de José Afonso seria uma das senhas que pôs em marcha a Revolução do 25 de Abril.

Agora, os registos sonoros originais da senha da Revolução, transmitida pela rádio na madrugada do 25 de Abril, assim como a interpretação da canção "Grândola, Vila Morena" no I Encontro da Canção Portuguesa, poderão estar já como Património Nacional de Portugal.

 

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Joffre Justino 

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Foto de destaque: IA; imagem capturando um momento emocional e cheio de significado no Primeiro Encontro da Canção Portuguesa em 1974, no Coliseu dos Recreios em Lisboa. Este momento reúne a esperança, a unidade e a determinação dos presentes, sob a liderança inspiradora de Zeca Afonso, prenunciando as mudanças que estavam prestes a acontecer em Portugal.