Por Guilherme Bitencourt

 

A estima social, um conceito profundamente arraigado nas interações humanas, desempenha um papel crucial na formação das relações e na configuração das hierarquias sociais.

A teoria de Axel Honneth lança luz sobre esse fenômeno, explorando como as diferentes posições econômicas podem influenciar a maneira como as pessoas são percebidas e valorizadas na sociedade.

O presente texto abordará a discrepância na estima social entre ricos e pobres, sob a perspectiva de Honneth, examinando o impacto de situações de saúde desiguais, exemplificadas pela diferença entre um rico que obtém um transplante de coração rápido e um indivíduo de baixa renda que sucumbe na fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Estima Social e Desigualdade

 

De acordo com Axel Honneth, a estima social é um elemento vital para o desenvolvimento humano saudável. Ele argumenta que, para alcançar uma autoconsciência positiva, os indivíduos precisam ser reconhecidos e valorizados por outros membros da sociedade. Nesse contexto, a estima social é crucial para a formação da identidade e da autoestima, influenciando as oportunidades disponíveis e as interações sociais de um indivíduo.

No entanto, a desigualdade socioeconômica cria uma disparidade substancial na forma como a estima social é distribuída. Pessoas de diferentes classes econômicas são percebidas de maneiras distintas, muitas vezes atribuindo mais valor àqueles que têm maior riqueza material. Aqueles que possuem recursos financeiros significativos têm maior probabilidade de serem vistos como bem-sucedidos, capazes e dignos de respeito. Esse desequilíbrio na estima social perpetua e amplifica as divisões de classe, perpetuando a marginalização dos menos afortunados.

 

Cenários de Saúde Desiguais

 

A disparidade na estima social entre ricos e pobres é frequentemente evidente em situações de saúde críticas. Um exemplo impactante é a diferença entre um indivíduo rico que consegue um transplante de coração com rapidez e eficiência, e outro indivíduo de baixa renda que enfrenta uma morte prematura enquanto aguarda na fila do SUS por um coração doador.

No primeiro cenário, a pessoa rica que recebe um transplante de coração é mais propensa a ser elogiada por sua determinação e perseverança. Sua capacidade de acessar tratamento médico de alta qualidade em um curto espaço de tempo é vista como um sinal de sucesso pessoal e social. Essa narrativa positiva reforça a imagem da pessoa rica como alguém digno de estima, reforçando a percepção de que ela é valiosa para a sociedade.

 

A Cruel Realidade da Fila do SUS

 

Por outro lado, a pessoa de baixa renda que agoniza na fila do SUS em busca de um transplante de coração enfrenta uma realidade muito diferente. Sua luta é muitas vezes invisibilizada, e sua espera prolongada é frequentemente considerada um reflexo de sua posição social precária. A sociedade tende a minimizar suas dificuldades, não reconhecendo a magnitude do desafio que ela enfrenta ou a urgência de sua situação.

Essa discrepância na estima social em cenários de saúde reflete a profundidade das desigualdades econômicas e sociais. A pessoa rica é vista como alguém que supera obstáculos, enquanto a pessoa pobre é subestimada, perdendo não apenas a batalha pela saúde, mas também a luta por reconhecimento e valorização.

 

Educação e Oportunidades

 

Além da área da saúde, a estima social também é afetada pela disparidade nas oportunidades educacionais. Indivíduos de famílias ricas têm mais probabilidade de receber uma educação de alta qualidade, o que lhes confere uma vantagem significativa na busca por empregos bem remunerados e prestigiados. Essa educação privilegiada contribui para uma autoimagem positiva e é valorizada pela sociedade em geral.

Em contraste, os indivíduos de baixa renda frequentemente enfrentam escolas de qualidade inferior e recursos educacionais limitados. Isso não apenas limita suas oportunidades futuras, mas também afeta a maneira como são percebidos pela sociedade. A falta de acesso a uma educação de qualidade é muitas vezes erroneamente interpretada como uma falta de habilidade ou vontade, resultando em uma estima social mais baixa e menos reconhecimento por suas conquistas.

 

Mídia e Cultura de Celebridade

 

A mídia e a cultura de celebridade também desempenham um papel crucial na perpetuação da disparidade na estima social. Indivíduos ricos são frequentemente retratados como modelos de sucesso, glamour e aspiração. Suas histórias de riqueza, poder e influência são amplamente divulgadas, alimentando uma narrativa de conquista e mérito. Isso contribui para uma maior estima social, já que a sociedade é condicionada a admirar e emular essas figuras.

Por outro lado, histórias de pessoas pobres ou em situações desfavoráveis são muitas vezes apresentadas de maneira sensacionalista ou estigmatizada. A falta de recursos é muitas vezes associada a uma falta de valor intrínseco, reforçando ainda mais a discrepância na estima social. Essa representação distorcida na mídia perpetua estereótipos prejudiciais e dificulta a superação das barreiras sociais e econômicas.

 

Construindo uma Sociedade Mais Justa

 

Em face dessas complexas dinâmicas, é imperativo reconhecer e abordar a disparidade na estima social entre ricos e pobres. A construção de uma sociedade mais justa requer uma transformação profunda nas estruturas econômicas e sociais. Isso inclui o acesso equitativo a serviços de saúde e educação de qualidade, bem como uma mudança nas representações midiáticas para refletir a diversidade e a dignidade de todas as pessoas.

A teoria de Axel Honneth nos lembra de que a estima social é essencial para a nossa identidade e bem-estar. Para alcançar essa estima de maneira justa e igualitária, devemos trabalhar para reduzir as desigualdades econômicas e sociais, reconhecendo o valor intrínseco de cada indivíduo, independentemente de sua posição econômica. Somente assim poderemos construir uma sociedade onde a estima social seja uma força unificadora, em vez de um divisor, promovendo o respeito mútuo e a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos.

 

Empoderamento Econômico e Social

 

Uma abordagem fundamental para combater a disparidade na estima social é o empoderamento econômico e social dos menos privilegiados. Isso envolve não apenas a criação de políticas que garantam acesso equitativo a recursos essenciais, como saúde e educação, mas também a promoção de oportunidades econômicas igualitárias. Programas de assistência financeira, treinamento profissional e políticas de inclusão podem ajudar a nivelar o campo de jogo, permitindo que indivíduos de todas as origens alcancem seu pleno potencial.

Ao permitir que pessoas de diferentes contextos econômicos participem ativamente na economia e na sociedade, estamos criando um ambiente onde à estima social pode ser construída com base em realizações e esforços individuais, em vez de ser predeterminada pela posição social de alguém. Esse empoderamento ajuda a quebrar o ciclo de desigualdade na estima social.

 

Educação e Conscientização

 

A educação desempenha um papel central na transformação das atitudes sociais em relação à estima. Iniciar um diálogo aberto e honesto sobre as desigualdades existentes e suas consequências é crucial para aumentar a conscientização pública. Isso pode ser feito por meio da incorporação de currículos educacionais que abordem as questões de classe e estigma social, além de promover a empatia e o entendimento entre diferentes grupos sociais.

Ao compreender as complexidades das desigualdades e as maneiras pelas quais a estima social é afetada, a sociedade pode trabalhar coletivamente para desafiar preconceitos arraigados e estruturas injustas. A educação também pode ajudar a criar uma cultura de solidariedade, onde a valorização do próximo é baseada na humanidade compartilhada, e não na posição econômica.

 

Responsabilidade das Instituições

 

As instituições sociais desempenham um papel crucial na perpetuação ou na mitigação da disparidade na estima social. É responsabilidade das instituições governamentais, organizações não governamentais e empresas privadas adotar medidas para criar ambientes mais igualitários e inclusivos. Isso envolve a implementação de políticas que combatam a discriminação e promovam a equidade em todas as áreas da vida, desde a saúde até o emprego.

Além disso, as instituições têm a capacidade de moldar narrativas sociais por meio de suas representações na mídia, discursos públicos e campanhas de conscientização. Ao utilizar essas plataformas de maneira responsável e inclusiva, as instituições podem desempenhar um papel fundamental na mudança de percepções e na promoção de uma estima social mais justa e equitativa.

 

Conclusão

 

A disparidade na estima social entre ricos e pobres, conforme analisada através da lente das teorias de Axel Honneth, revela uma divisão profunda e complexa na sociedade. Essa discrepância afeta a maneira como os indivíduos são percebidos, valorizados e tratados, perpetuando as desigualdades sociais e econômicas. No entanto, por meio do empoderamento econômico e social, educação, conscientização e responsabilidade institucional, podemos trabalhar para reduzir essa disparidade, criando uma sociedade mais justa e igualitária, onde a estima social é distribuída com base na dignidade inerente de cada ser humano. É somente através desses esforços contínuos que podemos aspirar a um futuro onde a estima social não seja definida pela riqueza, mas sim pela humanidade que todos compartilhamos.

Nota do editor

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Imagem de destaque: representação simbólica da desigualdade social, com figuras contrastantes de ouro e pedra, separadas por uma ponte quebrada, simbolizando o abismo entre a riqueza e a marginalização. A imagem evoca a divisão profunda entre as classes na sociedade.