Por Guilherme Bitencourt

 

Há ocasiões na vida em que o homem, movido por seus ideais e inflamado por uma visão de justiça, envereda por caminhos que, à primeira vista, parecem conduzir à liberdade e ao bem comum.

No entanto, é comum que, nesses momentos, um veneno sutil se infiltre em sua alma: a ilusão do poder, que transforma a paixão pela liberdade em sede de dominação.

E assim, sem que ele perceba, o fervoroso defensor dos oprimidos torna-se o próprio opressor, repetindo as mesmas atrocidades que outrora combatia com veemência. Este paradoxo, tão antigo quanto a própria humanidade, revela-se na advertência de Mikhail Bakunin a Karl Marx, quando disse: "Dê poder ao mais ardente dos revolucionários, e no dia seguinte ele será pior que o próprio czar!"

Essa frase, carregada de sabedoria e melancolia, resume uma das mais dolorosas verdades da existência humana: o poder, por si só, é uma força corruptora que, quando não é temperado pela virtude, transforma o homem em uma caricatura grotesca do que ele se propôs a combater. O ego, inflado pela ilusão de superioridade, torna-se uma sombra densa que obscurece a razão e o senso de justiça, cegando aquele que se acreditava imune à tentação do autoritarismo. E assim, na ascensão ao poder, o revolucionário perde a sua alma, transformando-se no tirano que jurou derrubar.

Ocorre, então, um processo de metamorfose moral que, embora comum, não deixa de ser trágico. Aqueles que, outrora, se proclamavam defensores das minorias, dos oprimidos e dos excluídos, ao alcançarem um mínimo de poder, se veem tomados por um sentimento de superioridade que lhes endurece o coração e obscurece a visão. Erguem seus narizes ao céu, como se o simples ato de olhar para cima pudesse ocultar as suas falhas. No entanto, essa altivez não faz senão afundá-los ainda mais nas águas turvas da arrogância. E, assim, oprimidos transformam-se em opressores, perpetuando um ciclo vicioso do qual tanto diziam querer escapar.

A cortina que se ergue entre o poder e a virtude é uma das mais traiçoeiras armadilhas do espírito humano. Platão, em sua sabedoria intemporal, já nos alertava para o perigo que reside na alma daqueles que odeiam a tirania não por amor à justiça, mas porque desejam, eles mesmos, exercê-la. Na visão platônica, o desejo de poder, quando não moderado pela razão e pela empatia, é a semente da destruição moral. E é precisamente essa falta de virtude, esse descompasso entre o poder e a moralidade, que transforma o homem em um ser mais temível que o mais feroz dos animais selvagens.

Pois, se o animal age movido pelo instinto e pela necessidade, o homem, dotado de inteligência e livre-arbítrio, possui a capacidade de escolher entre o bem e o mal. No entanto, quando desprovido do cultivo das virtudes – como a justiça, a temperança e a compaixão – ele se torna um ser capaz das mais terríveis crueldades. E, ao contrário dos animais, que matam para sobreviver, o homem mata, subjuga e oprime por prazer, por vaidade, ou simplesmente para afirmar o seu poder sobre os outros.

Não é a inteligência, por si só, que nos redime. Ela pode ser tanto uma ferramenta para o bem quanto uma arma para o mal, dependendo de como a utilizamos. O que realmente nos eleva, o que nos distingue das bestas selvagens, é a capacidade de sentir empatia, de nos colocarmos no lugar do outro, de ver a humanidade refletida no rosto de nossos semelhantes. Um coração compassivo, que busca o bem de todos, é o verdadeiro antídoto contra a tirania e o despotismo. Pois, enquanto um líder sábio pode guiar seu povo em tempos difíceis, é um povo sábio, dotado de virtude e discernimento, que constrói uma sociedade justa e próspera.

A verdadeira revolução não é aquela que derruba tiranos e substitui um regime opressor por outro, mas aquela que transforma o coração dos homens, que os liberta das correntes da ignorância e do egoísmo. A justiça verdadeira não reside na força das armas, mas na força do espírito, que busca o bem comum acima dos interesses pessoais. E é essa busca, essa aspiração por um mundo mais justo e compassivo, que deve guiar nossos passos, tanto nas pequenas ações do dia a dia quanto nas grandes decisões que moldam o destino das nações.

Contudo, há um perigo insidioso que espreita todos aqueles que se propõem a transformar o mundo: a tentação de usar o poder para impor a sua visão de justiça, sem considerar as complexidades e as nuances da condição humana. Quando isso ocorre, a revolução se torna tirania, e o idealista se transforma no déspota. É por isso que a humildade e a reflexão são tão essenciais para aqueles que aspiram a liderar. Sem essas qualidades, o poder corrompe, e a injustiça que se buscava eliminar renasce, com uma nova máscara, mas com a mesma essência destrutiva.

O poder, quando divorciado da virtude, é uma força destrutiva que corrompe o coração e a mente daqueles que o possuem. Aqueles que trilham o caminho da opressão, esquecendo-se da humanidade de seus semelhantes, caminham inexoravelmente para a própria destruição, pois o trono da injustiça é construído sobre alicerces de areia. Não há coroa que se sustente sobre a cabeça daquele que a usa para esmagar os outros; a história está repleta de exemplos de tiranos que, em seu momento de glória, acreditavam-se invencíveis, apenas para serem derrubados pelo peso de suas próprias iniquidades.

Assim, ao refletirmos sobre o poder e a sua capacidade de corromper, devemos lembrar que a verdadeira liderança não reside na imposição da vontade sobre os outros, mas na capacidade de inspirar, guiar e servir. Um líder sábio é aquele que entende que a sua força reside na sabedoria e na virtude, e não na opressão ou na dominação. E, acima de tudo, é um líder que reconhece a dignidade de todos os seres humanos e que busca, através de suas ações, promover o bem comum.

Em última análise, a luta contra a tirania, tanto externa quanto interna, é uma batalha contínua, que exige vigilância, autocontrole e, sobretudo, um compromisso inabalável com a justiça e a compaixão. Pois, como nos lembra Bakunin, o verdadeiro teste do caráter de um homem é o que ele faz com o poder que lhe é dado. E é somente através do cultivo das virtudes que podemos esperar superar as tentações do poder e construir uma sociedade mais justa e humana.

Aqueles que verdadeiramente buscam a justiça não devem apenas evitar a tirania, mas também cultivar em si mesmos as virtudes que impedem a sua ascensão. Devemos ser, ao mesmo tempo, líderes e servos, guiados pela razão e pelo coração, comprometidos com o bem-estar de todos, e não apenas com os nossos próprios interesses. Somente assim poderemos afastar as cortinas da hipocrisia e da ilusão, revelando a verdadeira face da justiça e da humanidade.

Bibliografia

1. Bakunin, Mikhail. Estatismo e Anarquia. Editora Centauro, 2003.
2. Marx, Karl. O Capital. Boitempo Editorial, 2013.
3. Platão. A República. Editora Vozes, 2011.
4. Maquiavel, Nicolau. O Príncipe. Editora Martin Claret, 2012.
5. Gibran, Khalil. O Profeta. Editora L&PM, 2001.
6. Assis, Machado de. Dom Casmurro. Companhia das Letras, 1997.
7. Alencar, José de. Senhora. Editora Ática, 2001.
8. Nietzsche, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Companhia das Letras, 2011.
9. Freud, Sigmund. O Ego e o Id. Imago Editora, 1996.
10. Arendt, Hannah. As Origens do Totalitarismo. Companhia das Letras, 2004.

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