O Semanário Expresso revelou recentemente uma realidade que tem vindo a agravar-se: o aumento do número de mulheres portuguesas a procurar clínicas em Espanha para realizar a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) após as 10 semanas de gestação.

Segundo a reportagem, mais de meio milhar de mulheres atravessaram a fronteira em 2023, sendo atendidas maioritariamente na clínica de Badajoz, que se tornou um refúgio para aquelas que enfrentam as limitações da legislação portuguesa.

Com um limite legal fixado nas 10 semanas, Portugal destaca-se como um dos poucos países da União Europeia que mantém uma restrição tão apertada. No entanto, à medida que os ventos da mudança sopram na Europa, surgem propostas no Parlamento que visam atualizar a legislação, com o objetivo de garantir a autodeterminação das mulheres e promover a sua saúde reprodutiva.

A Realidade das Portuguesas e as Limitações da Lei

A reportagem do *Expresso* apresenta casos concretos de mulheres que, por várias razões, não conseguiram realizar o procedimento em Portugal dentro do prazo estipulado. Estas mulheres enfrentam uma escolha difícil: continuar uma gravidez indesejada ou procurar soluções noutros países, como é o caso de Maria Andrade (nome fictício), cuja experiência é relatada em primeira pessoa. Ao descrever a sua situação, Maria revela ter sido confrontada com alternativas duras e pouco viáveis no sistema de saúde português, o que a levou a procurar ajuda em Espanha.

“Disseram-me que a única alternativa seria passar pela gravidez e dar a criança para adoção,” confessa, salientando a falta de apoio emocional e de opções no sistema português.

Propostas de Mudança: O Papel do Partido Socialista

Com a legislação inalterada desde 2007, a proposta do Partido Socialista (PS) para aumentar o limite legal para a IVG de 10 para 12 semanas surge como uma resposta às críticas e às novas realidades sociais. Para os socialistas, esta é uma medida urgente e necessária, tanto do ponto de vista da proteção da saúde das mulheres, como de um alinhamento com as práticas europeias. O Presidente do Grupo Parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, salientou que “estamos perante uma questão de justiça e de respeito pelos direitos reprodutivos das mulheres. Esta atualização é uma necessidade para evitar o recurso a soluções clandestinas ou a deslocações arriscadas para o estrangeiro.”

Por outro lado, o Bloco de Esquerda defende um alargamento mais significativo, propondo o aumento do prazo para 14 semanas, em linha com a legislação espanhola. A proposta do Bloco vai além, recomendando a eliminação do período obrigatório de reflexão de três dias e uma clarificação dos critérios de objeção de consciência para os médicos, assegurando que as mulheres tenham acesso garantido ao procedimento.

A Perspectiva Europeia: Onde se Encontra Portugal?

De acordo com a reportagem do *Semanário Expresso*, na União Europeia, 23 dos 27 países permitem a IVG até 12 semanas ou mais. Em Espanha, o prazo é de 14 semanas, enquanto países como a Suécia e os Países Baixos permitem até 18 e 21 semanas, respetivamente. Esta disparidade coloca Portugal numa posição de atraso legislativo e cultural relativamente aos seus parceiros europeus.

O caso de Espanha é particularmente relevante. O país vizinho eliminou, recentemente, o período obrigatório de reflexão e expandiu o acesso ao procedimento para jovens de 16 e 17 anos sem a necessidade de autorização parental. Esta abordagem mais progressista contrasta com a realidade portuguesa, onde o limite de 10 semanas, associado a períodos de reflexão obrigatórios, gera dificuldades práticas para muitas mulheres.

Um Compromisso com o Futuro

O debate sobre a IVG em Portugal é, na sua essência, um debate sobre os direitos fundamentais das mulheres e a capacidade de um sistema de saúde em responder de forma adequada às suas necessidades. O Partido Socialista, ao propor o alargamento para 12 semanas, alinha-se com a maioria dos países da União Europeia e assume o compromisso de eliminar barreiras desnecessárias que colocam em risco a saúde e a dignidade das mulheres. Como argumentou Simone de Beauvoir, “A sociedade, ao exigir uma decisão tão pessoal como a de ser mãe, deve garantir as condições para que essa escolha seja livre e informada.”

Num momento de mudança na Europa, Portugal tem a oportunidade de se juntar aos seus pares europeus, reconhecendo que o direito de decidir sobre o próprio corpo é um pilar essencial da cidadania. Ao avançar com estas propostas, o Parlamento pode afirmar um compromisso inequívoco com a igualdade de género e o bem-estar das mulheres portuguesas.

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