Marcelo Rebelo de Sousa, conhecido pela sua propensão para o protagonismo mediático, volta a surpreender com declarações que desafiam não apenas a lógica histórica, mas também a necessidade de reflexão política sobre os desafios do presente.

No mais recente episódio de verborreia presidencial, o PR evocou a tese de que "não existe contradição entre o 25 de Abril e o evocar o 25 de Novembro de 1975", como se ainda vivêssemos os conflitos ideológicos de meados da década de 1970.

Na sua perspetiva, sem o 25 de Novembro, "o refluxo revolucionário teria sido mais demorado, mais agitado e mais conflitual e, para alguns, poderia provocar mesmo uma guerra civil". Porém, esta afirmação levanta mais questões do que respostas.

Ao assumir que a ausência do 25 de Novembro resultaria "apenas" em maior agitação ou, hipoteticamente, numa guerra civil, Marcelo parece, inadvertidamente, dar razão à Esquerda Militar que combateu a intervenção daquele dia. Afinal, se apenas maior agitação era esperada, porque não seguir um caminho político menos conflituoso?

O Silêncio sobre os Interesses Geopolíticos

O que continua escondido, tanto nas palavras de Marcelo como nas narrativas convencionais sobre o 25 de Novembro, é a influência geopolítica e os interesses externos que marcaram o período.

A destruição do "império português" não foi um processo isolado, mas sim um jogo de interesses globais que envolveu os Estados Unidos, a União Soviética e até as principais potências europeias. Esse tabuleiro de alianças e traições é estrategicamente ignorado nos discursos políticos, sobretudo por figuras que se autoproclamam defensoras da democracia ocidental.

É curioso como nunca se menciona o papel dos "parceiros do Ocidente" na forma como Portugal perdeu os seus territórios ultramarinos, muitas vezes sacrificados em nome de equilíbrios estratégicos globais.

Um debate honesto sobre o 25 de Novembro não pode ignorar estas realidades, mas o silêncio sobre elas revela mais sobre os interesses que moldam a História do que qualquer discurso inflamado.

A Glorificação de Jaime Neves: Um Passado que Não se Questiona

Ainda mais escandaloso, no entanto, é o silêncio ensurdecedor perante a apologia de figuras como Jaime Neves, um militar cuja carreira acumula derrotas estratégicas. Perdeu a guerra colonial, falhou no controlo do 28 de setembro e não conseguiu impedir os desdobramentos do 11 de março.

Apesar disso, continua a ser glorificado como herói nacional por determinados setores, enquanto os genocídios e crimes associados à descolonização e ao período revolucionário são ignorados ou deliberadamente omitidos.

Onde está a crítica política e legal a esta romantização? Onde estão as vozes, incluindo a do próprio PR, que deviam denunciar estas falhas éticas e morais no discurso político?

A omissão de Marcelo, tal como a de outros líderes, contribui para a perpetuação de narrativas que não fazem justiça à complexidade da História de Portugal nem aos sacrifícios daqueles que lutaram por um futuro mais justo.

O Futuro Precisa de Reflexão, Não de Retórica

Ao invocar 1975 como se fosse 2024, o Presidente da República revela um desfasamento perigoso. A sua incapacidade de contextualizar e de refletir sobre os desafios contemporâneos através de uma análise séria do passado reforça uma narrativa estagnada que pouco ou nada contribui para o debate público.

Mais do que discursos pomposos e simplistas, o que Portugal precisa é de uma liderança capaz de enfrentar as nuances da História e de olhar para o futuro com coragem e visão.

A verdadeira tragédia não está apenas no discurso de Marcelo, mas também no vazio político e intelectual que ele representa. Afinal, como dizia George Santayana, "aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo".
E, infelizmente, parece que o passado continua a ser convenientemente esquecido por quem mais deveria iluminá-lo.