Quero partilhar o meu olhar crítico sobre este legado e o impacto que ele continua a ter na nossa sociedade.
A Herança Colonial: Uma "Missão Divina"?
Lembro-me de estudar o discurso de Gonçalves Cerejeira, onde ele afirmou que a conservação das colónias portuguesas era uma tarefa confiada pela Providência divina. Como é possível? Em 1964, Cerejeira falava de um ideal cristão para o ultramar, mas o que realmente vi foi uma tentativa desesperada de justificar um sistema opressor e ultrapassado. O mundo estava a mudar. A ocupação de Goa pela União Indiana em 1961 e as lutas de independência em África mostravam que a narrativa colonial era insustentável.
Mesmo assim, o cardeal insistia, associando o comunismo à juventude rebelde e ao "mal maior". Fátima tornou-se o palco para a sua cruzada ideológica, onde pedia aos jovens que escolhessem "Deus ou nada". Este dualismo, tão típico do Estado Novo, alimentava uma visão maniqueísta do mundo, que ainda ecoa em alguns discursos contemporâneos.
O Novo "Perigo": Bases e Armas Nucleares
Hoje, ao olhar para a geopolítica, percebo como certas narrativas permanecem. Nos anos 60, o "perigo comunista" era a desculpa para políticas autoritárias. Agora, o "perigo russo" ocupa esse espaço. Sabia que os EUA possuem 742 bases militares fora do seu território, enquanto a Rússia tem cerca de 60? Esta desproporção fala por si, mas é convenientemente ignorada por quem prefere perpetuar o medo.
Quanto às armas nucleares, os números são assustadores:
- Estados Unidos: 5.244 ogivas.
- Rússia: 5.889 ogivas.
- China: 410 ogivas, crescendo a um ritmo alarmante.
- França e Reino Unido: arsenais menores, mas ainda significativos.
Pergunto-me, será que aprendemos algo desde a assinatura do Tratado de Não Proliferação de 1968? A corrida armamentista continua, e o mundo vive sob a sombra de um potencial desastre nuclear.
A Igreja e o Colonialismo: Uma Aliança Constrangedora
Cerejeira não apenas justificava o colonialismo; ele via o comunismo como o "Islão do século XX", um inimigo global que ameaçava destruir os valores cristãos. Quando penso nisso, fico chocado com a facilidade com que uma figura religiosa podia misturar política, religião e ideologia num discurso tão polarizador.
Enquanto o papa João XXIII clamava pelo fim do colonialismo, Cerejeira via na preservação das colónias uma missão divina. Este conflito de visões expõe as contradições de uma Igreja que, por um lado, prega a paz e a justiça, mas, por outro, se alinha com regimes autoritários.
As Lições do Passado e os Desafios do Presente
Olhando para trás, vejo como o colonialismo terminou com o 25 de Abril de 1974, as independências das ex-colónias e a inevitável reconfiguração de Portugal no mundo. Mas isso não apagou as cicatrizes deixadas pela exploração e pelo autoritarismo. E agora, quando leio artigos que falam do "perigo russo" com a mesma retórica simplista do passado, sinto uma enorme frustração.
Olhamos para a Rússia ou para a China como os novos inimigos, mas ignoramos os verdadeiros desafios: as desigualdades globais, as crises ambientais e a necessidade urgente de fortalecer as democracias. O verdadeiro "perigo" não está em Moscovo, mas na nossa incapacidade de aprender com a história e agir com visão e coragem.
Um Apelo à Reflexão
Ao escrever estas palavras, convido-o a refletir comigo. Será que queremos perpetuar narrativas de medo e divisão, ou estamos prontos para construir algo novo? Precisamos de um mundo que valorize a cooperação e a justiça, em vez de alimentar fantasmas do passado.
> "Se quisermos um mundo melhor, temos de ser melhores no mundo."
Este é o meu desafio, para si e para mim. Vamos enfrentá-lo?
---
Fontes:
1. National Geographic: [O País com Maior Arsenal Nuclear]( https://www.nationalgeographic.pt/ciencia/pais-maior-arsenal-nuclear-premio-nobel-paz-2024_5389 )
2. José Barreto: *O Islão do século XX e o Comunismo do século XXI*