O dia 2 de fevereiro, o bairro do Rio Vermelho em Salvador foi tomado de barracas, quiosques, vendedores ambulantes e baianas, vendendo todo tipo de iguaria e muita bebida aos milhares de foliões que lá estiveram para festejar, receber e saudar Iemanjá, a Rainha das Águas, para quem levarm oferendas perfumadas, depositando-as sobre as águas do mar.

Muitos preferiram ir de barco ou canoa, para navegarem mar adentro e seguirem a procissão marítima com a estátua de Iemanjá, numa festividade que é a mais linda de todas as chamadas “festas de largo” da Bahia, ao lado da lavagem do Bonfim.

Esta festa, uma das mais ricas tradições da Bahia, é tão importante que já foi cantada em prosa e verso pelos maiores compositores e poetas da terra. Imortalizada por Caymmi, seu maior seresteiro, e maior cantor do mar e das coisas da Bahia, o dia 2 de fevereiro é uma festa ao mesmo tempo profana e religiosa, festejada não só nos candomblés como também na própria igreja católica, num fenômeno de sincretismo religioso que o povo aderiu de forma espontânea até chegar num ponto que não tem mais volta.

Comendo acarajé, abará, caruru, vatapá, amendoim torrado, xinxim de galinha, xinxim de bofe, bobó de camarão, maniçoba, camarão seco e tantas outras iguarias, e tomando um verdadeiro banho de cerveja, incrementado com doses cavalares das mais diversas infusões e caipirinhas, os foliões dançam e cantam o dia inteiro, começando cedo, já nas primeiras horas da manhã e só encerrando quando a embriaguez tiver dado todo o seu recado de alegria e folia carnavalesca.

Embora Iemanjá não tenha os predicados de um Santo Antônio, é sabido que o dia 2 de fevereiro é o dia de encontros amorosos, forjador de casamentos e paixões, que nascem ao ritmo de samba e das canções praieiras que alimentam a festa. Então, nada melhor neste momento de solenidade mística e de tradição carnavalesca, que evocar Dorival Caymmi, como fazem em grande número os participantes dessa maravilhosa festa:

 

            Dia dois de fevereiro

            Dia de festa no mar

            Eu quero ser o primeiro

            A salvar Iemanjá

 

            Escrevi um bilhete a ela pedindo pra ela me ajudar

            Ele então me respondeu que eu tivesse paciência de esperar

            O presente que eu mandei porá ela,

            De cravos e rosas vingou

 

            Chegou, chegou, chegou

            Afinal, que o dia dela chegou

            Chegou, chegou, chegou

            Afinal que o dia dela chegou.

 

            Oportuno lembrar ainda das demais canções de Caymmi que falam do mar, pois falar do mar é o mesmo que falar de Iemanjá: Suíte dos Pescadores, O Mar, O bem do mar, A Jangada Voltou Só, A Mãe d’Água e a Menina, Rainha do Mar, Caminhos do Mar, É doce Morrer no Mar…

 

            O refrão desta última é bem revelador da relação do mar com sua Rainha, Iemanjá:

 

            É doce morrer no mar

            Nas ondas verdes do mar

            (…)

            Fez sua cama de noivo

            No colo de Iemanjá

 

Quem não gostaria de morrer embalado nos braços de Iemanjá?

 

            Viva Dorival Caymmi, eterno e imortal cantor das belezas da Bahia, este país do outro mundo, feito de festa e de alegria.