CANTAR A ALEGRIA DA TRISTEZA
(tese em forma de poema)
desde infante
que sempre ouvi cantar
a alegria da tristeza
e não só ouvir as velhas mulheres cantar
este dilúvio contraditório
oh
senhores académicos
não falo dos vossos desfastios filosóficos
(viva Nietzsche esse filho da puta meio nazi)
falo da fome física
e das canções que a Mãe-Velha
me cantava depois do caldo de farinha
e choro o sacrifício do meu tio
no volfrâmio
que deu a sua vida
para nos matar a fome
coisas assim prosaicas
não deviam constar de um poema lírico
mas eu sou filho da puta desta vida inclemente
e por mais vestes literárias que procure
estarei sempre nu
e mendigando
sempre
um pouco de sol
um pouco de compaixão
cantando nesta tristeza
uma alegria que procuro
por mais negra que seja a noite
não sei se
perdoando
me salvarei
também não sei se
ajustando contas
me libertarei
no fundo fica a história
a minha e a vossa história
e esta cantata
que não sei se vem dos céus
ou dos infernos:
em cada momento fomos
anjos e demónios
e procurámos
(sempre-ou quase sempre)
cantar
da tristeza
a alegria
Manuel Monteiro
Photo credit: pedrosimoes7 on Visualhunt
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