Quando em meio aos inúmeros retrocessos políticos e sociais e o flagrante descaso ante a maior crise sanitária da história a única defesa que grande parcela do eleitorado de Bolsonaro consegue fazer do presidente é: “Ah, mas ele é evangélico; é homem de Deus!”, percebemos que o maior projeto politico-social arquitetado no país nos últimos tempos deu certo: a difusão e o fortalecimento do neopentecostalismo às avessas com seu falso cristianismo moralista e hipócrita.
Falo de um neopentecostalismo impregnado pela lógica vingativa e punitivista do Antigo Testamento, reprodutor de discursos rasos e descontextualizados, literalistas e sem a devida hermenêutica, difusor de um texto “fácil “, acrítico, feito para atingir o grande público.
O neopentecostalismo aqui em sua forma, digamos, mais pura, original, cresceu e se fortaleceu nas periferias. Lá, onde o Estado sempre mostrou-se ineficaz na promoção do mínimo de dignidade ao povo, as igrejas evangélicas cumpriram seu papel social de acolhimento e pertencimento àqueles que até então sentiam-se preteridos e injustiçados. Uma rede de solidariedade, de comunhão e partilha para aqueles que até então só tinham o desamparo.
Nesse sentido, as igrejas evangélicas no Brasil há muito não são só terrenos da espiritualidade, mas cumprem um papel político extremamente relevante. Os coronéis da fé (leia-se Malafaia, Edir Macedo e afins) entenderam muito bem isso. Aproveitando-se do papel que a igreja passou a ocupar em determinados campos da sociedade, esses homens, movidos por interesses econômicos e políticos muito claros, fizeram da igreja evangélica o lugar para exercer uma pedagogia voltada a educar os corpos e controlar as mentes. Afinal, corpos e mentes domesticados geram menos criticidade e maior aceitação.
Somando-se a isto, o projeto é completado com a “lei da oferta e demanda”, que possibilitou a instalação do “mercado da fé “. Pessoas endividadas demandam promessas de prosperidade; pessoas angustiadas, depressivas, demandam libertação das “forças sobrenaturais ” que geram seus males. A teologia da prosperidade, da libertação e outras mais surgem, então, para atenderem essas demandas.
E, assim, através dos coronéis da fé chegamos ao chefe de Estado, num projeto muito bem delineado, que não tem nada a ver com Jesus e seus ensinamentos.
Reproduzindo ódio, legitimando a violência e o descaso pelas vidas humanas, bastou colocar “Deus acima de todos” para que Bolsonaro convencesse uma maioria absoluta de evangélicos de que é cristão.
Existe prova maior de que a bíblia para essas pessoas não é um fim, mas um meio?
Por: Carolina Rodrigues