O Dia da Bastilha, comemorado anualmente em 14 de Julho na França, marca o aniversário do derrube e tomada da notória prisão parisiense da Bastilha em 1789, durante a Revolução Francesa, mas marca sobretudo a fase decisiva da Revolução Francesa, que teve como bandeira principal o célebre lema: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Liberdade, do jugo da pressão absolutista, Igualdade, pelo fim das classes sociais e Fraternidade, proclamando a paz e a harmonia entre os homens.
Construída no século 14, a fortaleza da Bastilha foi utilizada ao longo da sua história como prisão tanto para criminosos comuns quanto para opositores da monarquia francesa e da Igreja Católica. Na data de sua invasão, em 14 de Julho, no entanto, contava com poucos prisioneiros.
Assim, a tomada teve principalmente uma importância simbólica. Tradicionalmente, neste feriado em França é realizado um grande desfile militar na avenida dos Campos Elíseos, em Paris, com a presença de unidades de elite, tanques e a demonstração aérea de jatos militares.
Um ano depois da tomada da Bastilha, em 14 de Julho de 1880, ocorreu a chamada Festa da Federação, que marcou a data revolucionária e celebrou a queda da monarquia francesa. Segundo relatos da época, mais de cem mil pessoas participaram dos festejos. Com isso, o 14 de julho passou a ser considerado o dia da festa nacional francesa.
Mas só em 1880, com a III república, o 14 de Julho é reabilitado e promovido a dia da festa nacional da França. O primeiro centenário da Revolução será assinalado com a inauguração daTorre Eiffel.
Durante dois séculos a Revolução dividiu a França e o mundo. A grande reconciliação será no entanto obra de François Miterrand, nas comemorações do segundo bicentenário. Em 1989, a Revolução passou a unir, constatou um historiador: chegara a altura de se tornar património. Miterrand definiu-a simplesmente como “o início da era moderna” e, em seu nome, reuniu em Paris, a 14 de Julho, dezenas de Chefes de Estado e uma cimeira do G7, naquela que foi até agora a sua única sessão revolucionária. Uma dupla reconciliação: na véspera á noite, inaugurara a Ópera da Bastilha.
A tomada desta prisão deveu-se a toda uma série de circunstâncias casuais. Efetivamente, tudo começou com um discurso do jovem jurista Camille Desmoulins, até então desconhecido, ao denunciar em frente ao Palácio Real e pelas ruas dizendo que as tropas realistas estavam prestes a desencadear uma repressão sangrenta sobre o povo de Paris. Todos deviam socorrer-se das armas para defender-se. A multidão, num primeiro momento, dirigiu-se aos Inválidos, o antigo hospital onde concentravam um razoável arsenal. Ali, apropriou-se de três mil espingardas e de alguns canhões. Correu o boato de que a pólvora porém se encontrava armazenada num outro lugar, na fortaleza da Bastilha. Marcharam então para lá. A massa insurgente era composta de soldados desmobilizados, guardas e o povo de Paris
Durante o assédio, o marquês de Launay, o governador da Bastilha, ainda tentou negociar. Os guardas, no entanto, descontrolaram-se, disparando na multidão. Indignado, o povo reunido na praça em frente partiu para o assalto e dali para o massacre. O tiroteio durou aproximadamente quatro horas. O director da prisão, Launay, teve um fim trágico. Foi decapitado e a sua cabeça espetada na ponta de uma lança desfilou pelas ruas numa celebração macabra. Os presos, soltos, arrastaram-se para fora sob o aplauso comovido da multidão postada nos arredores da fortaleza devassada. Posteriormente a massa incendiou e destruiu a Bastilha, localizada no bairro Santo António, um dos mais populares de Paris. O episódio, verdadeiramente espetacular, teve um efeito electrizante. Não só na França mas onde a notícia chegou provocou um efeito imediato. Todos perceberam que alguma coisa espetacular havia ocorrido.
No ano de 1789, a França vivia uma grande agitação política. Populares e burgueses pressionavam o governo real a extinguirem os privilégios das classes nobiliárquicas e clericais. Durante a convocação dos Estados Gerais, que poderia reformar as leis do país, os membros da burguesia insistiam na mudança do sistema de votação. Ao invés do “voto por Estado”, os burgueses defendiam a utilização do “voto por cabeça”.
Outro aspecto marcante do acontecimento foi o de demonstrar que o movimento em curso para buscar a extinção do regime absolutista contava a partir de agora com a população em geral e não mais de um grupo de deputados que pretendiam modificar o regime através de leis.
Na época, o sistema legislativo francês dividia-se em três grupos, os chamados três Estados: o primeiro compreendia os representantes da nobreza; já o segundo representava o clero católico; finalmente, o terceiro, representava a população em geral. Os dois primeiros grupos votavam quase sempre em conjunto deixando o Terceiro Estado isolado e marginalizado, tornando qualquer proposta de mudança da situação pela via política bastante difícil.
Diante dessa situação de falta de representabilidade política, somada à dilapidação dos cofres públicos promovida pela nobreza e pelo clero, aos problemas económicos enfrentados pelo país na época (devido à participação francesa na guerra de independência dos Estados Unidos somada às colheitas deficitárias ocorridas naqueles últimos anos), a situação torna-se insustentável, o que lança o povo contra o governo de modo dramático, tomando o controle do país à força.
Esta tomada de posição das classes mais humildes levará a classe burguesa a tomar o comando pelas reformas no país. É assim que, a 25 de agosto do mesmo ano de 1789, a revolução em curso aprova a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento de inspiração iluminista que marca o declínio dos traços do sistema feudal ainda vigente no país, defendendo direitos considerados atualmente básicos e fundamentais, como o direito à liberdade, igualdade perante à lei, inviolabilidade da propriedade privada e resistência a qualquer tipo de opressão. Esta foi a grande vitória da Revolução, influenciando toda a História que se seguiu no percurso da Humanidade.
A Tomada da Bastilha é de um grande simbolismo, com a maior parte dos historiadores a atribuírem a este episódio o início da Revolução Francesa, embora ela tivesse sido iniciada, em termos políticos e ideológicos, dois anos antes. A Tomada da Bastilha representa a passagem de um poder a outro, do poder aristocrático e da corte ao do povo e da burguesia. Contra a coroa ergue-se doravante o povo e os seus representantes, para quem o poder está nas assembleias. Não há dúvida de que o movimento popular em Paris teve grande significado, porém a Revolução deve ser vista como um processo, onde é necessário analisar a situação económica do país, os interesses das classes envolvidas e os interesses dos demais países europeus.
A revolta da burguesia, a que se junta a oposição camponesa, leva ao desmoronamento do antigo regime. A partir da Tomada da Bastilha nada ficará como antes.
A importância da Queda da Bastilha reside no fato de que a partir desse momento a revolução conta com a presença das massas trabalhadoras, deixando de ser apenas um movimento onde deputados julgavam que poderiam eliminar o Antigo Regime apenas fazendo novas leis.
A gravidade da crise económica havia envolvido todo o país em uma situação caótica: os privilégios dados à nobreza e ao Alto Clero dilapidaram as finanças do país, situação ainda mais agravada, como dissemos já, com a participação da França na Guerra de Independência dos EUA em ajuda aos colonos e palas secas, responsáveis por uma crise agrária, que levava os camponeses a miséria extrema e determinava o desabastecimento das cidades assim como a retração do comércio interno.
Na medida em que a nobreza se recusou a abrir mão dos seus privilégios, o rei Luís XVI viu-se forçado a convocar a Assembleia dos Estados Gerais, que reuniria os representantes da Nobreza, do Clero e do Povo (burgueses). As manobras políticas da realeza tinham por objetivo fazer aprovar nova legislação, que preservaria os privilégios do 1° e 2° estados e ao mesmo tempo sobrecarregariam o 3° estado.
Em 17 de Junho os representantes do povo autoproclamam-se Assembleia Nacional. Esse fato representa de um lado o grau de organização e a consciência da burguesia, ancorada pelos ideais do Iluminismo, e ao mesmo tempo dá-nos ideia de qual era a perspectiva de Revolução para essa classe social, eliminar o Antigo Regime, através de uma reforma na legislação, forçando o rei a aceitar a organização de um poder legislativo responsável pela elaboração das leis.
Enquanto os deputados se reuniam na Assembleia, o rei reunia tropas na tentativa de evitar o movimento revolucionário, sendo nesse contexto que se formou a “Milícia de Paris” e no dia seguinte as ruas e a Bastilha eram do povo.
O movimento revolucionário saía às ruas; percebia-se que somente com a participação e o apoio popular poderiam haver mudanças significativas. Apesar de organizada e armada, a camada popular urbana defendia a manutenção da Assembleia Constituinte e portanto acreditava que as novas leis poderiam trazer uma mudança significativa.
Ao contrário, no campo, a situação era marcada por grande radicalização caracterizada por invasões de propriedades senhoriais, onde muitos nobres foram executados, cartórios invadidos, onde os títulos de propriedade feudal eram queimados. Os camponeses não possuíam uma ideologia definida nem um projeto acabado, porém o movimento — Grande Medo – refletia a situação de profunda miséria vivida no campo
Como dissemos no início, o lema da Revolução Francesa foi a Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Porém, pelo curso das acções, pode ver-se que a burguesia buscava poder e fazia tudo para não reconhecer a igualdade de direitos para os pobres.
A maior parte das conquistas que seguiram o lema revolucionário foram perdidas, pelo que o povo continuou nas condições anteriores, pois embora alguns direitos tenham sido reconhecidos, acabaram por não ter implantação efectiva. Apenas a burguesia saiu fortalecida, pois a população pobre continuou lutando pelos direitos que almejava.
A História é vagarosa, no entanto, como é natural. É esta mesma burguesia que vem a ser posta em causa pelo movimento do Maio de 68, de novo em França, influenciando significativamente todas as nossas vidas.
Não podemos negar, entretanto, que a Revolução Francesa acabou com os privilégios da nobreza abrindo portas para a adoção do regime democrático. Foi portanto uma data marcante na evolução da Humanidade rumo a um ideal utópico, que dependerá antes de tudo da vontade dos homens.
Que não será uma utopia tão grande como muita gente pensa. Afinal, basta querer e uma pequena chispa pode modificar tudo. Lembro o que ainda aconteceu nos últimos dias, com o episódio da Tailândia, em que a solidariedade internacional falou mais alto. Para mim, que tinha visto no início dos anos 60 o filme Corrida para a Vida, de Christian Jacques, tratou-se de um remake desse filme tão esquecido. O título francês era Si tous les gars du monde, uma adaptação do livro com o mesmo nome de Jacques Remy, que foi traduzido para língua portuguesa com o significativo título Se todos os homens quisessem…
Como diria o António Gedeão,
«Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
é uma constante da vida
tão concreta e definida
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.»
Como é notório, a tomada da Bastilha foi uma etapa importante na evolução da Humanidade, como também foi o Maio de 68, por mais detractores que tenham.
Avante pela Revolução das Mentalidades, que é o que faz falta, neste momento em que os populismos e outras loucuras como as fake news e as tentações nazis tentam ameaçar as últimas conquistas civilizacionais.
Quem disse que a poesia é apenas
agreste avena?
A poesia é eterna Tomada da Bastilha
o eterno quebra-quebra
o enforcar de judas, executivos e catedráticos em
todas as esquinas
e,
a um ruflar poderoso de asas,
entre cortinas incendiadas,
os Anjos do Senhor estuprando as mais belas
dos mortais…
Deles, nascem os poetas.
Não todos…Os legítimos
espúrios:
um Rimbaud, um Poe, um Cruz e Souza…
(Rege-os, misteriosamente, o décimo terceiro signo do zodíaco.)
Rodrigues Vaz
Jantar-debate realizado na Padaria do Povo
Lisboa, a 13 de Julho de 2018
Foto de destaque: jnkypt on Visualhunt.com / CC BY-SA
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