27 Maio, 2023

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APONTAMENTOS SOBRE O 27 DE MAIO DE 1977 EM ANGOLA

O MPLA surge no pós 25 de abril de 1974 fracionado entre 3 grupos vindos do Interior e mais 3 grupos urbanos, sendo os primeiros a Revolta de Leste liderada por Daniel Chipenda o leader militar da Região Leste, a Revolta Ativa liderada por Mario e Joaquim Pinto de Andrade e o grupo de Agostinho Neto e sendo os segundos os Comités Henda e os Comités Amílcar Cabral / Organização Comunista de Angola, ambos maoistas um o primeiro destes segundos visivelmente ligado a ex apoiantes em Portugal do MRPP e os segundos destes segundos mais ligados ao PCP ( r) pró albanês e o terceiro grupo fortemente ligado à comunidade branca e mestiça Republicana e anticolonialista que se juntou no MDA Movimento Democrático de Angola o primeiro destes grupos a dissolver-se no MPLA de Agostinho Neto.

Mesmo dividido o MPLA ganha uma “guerra civil” entre ele a FNLA e a UNITA com o claro apoio de Cuba e da URSS e ganhando alcança a respeitabilidade com o numero enorme de países que reconhecem a sua caluanda Declaração de Independência contra a da coligação FNLA/ UNITA feita no Huambo.

No entanto este regime parte pois para a Independência enormemente fragilizado e manterá esta fragilidade até hoje.

 

Antecedentes ao 27 de maio de 1977

 

É neste MPLA fracionado que Nito Alves que  militava nas fileiras do MPLA desde 1961 e que esteve a dirigir a Região Militar do MPLA  dos Dembos, com enormes dificuldades por falta de apoios internos e externos, se torna preponderante relacionando-se quer com elementos vindos do PCP como Sita Valles, que fora uma importante dirigente estudantil deste partido em Lisboa quer numa primeiríssima fase com os Comités Henda e outros maoistas também vindos de Lisboa com quem incentivou os comités de base “Poder Popular“, que radicalizaram significativamente as lutas urbanas e que   em Luanda, combateram a presença  da FNLA, Frente Nacional de Libertação de Angola, de Holden Roberto e da UNITA como se viu com o caso do Infantário PicaPau.

No imediato pós Independência, os grupos mais radicais afirmaram o desvirtuar dos ideais que tinham servido de rumo à luta pela mesma nascendo então mais uma grave cisão no seio do  MPLA,  agora de cariz etno ideológico  com os chamados “moderados” em  volta de Agostinho Neto e Lopo do Nascimento, a oporem-se à  facção radical de Nito Alves que se opunha à predominância de mestiços e brancos no governo, onde ele era ministro do Interior.

Para os Nitistas as pessoas caucasianas e mestiças tinham um posicionamento desproporcionado nos cargos de um governo de uma nação maioritamente negra sendo certo que alguns desses membros negros  do governo mplista viam nessa atitude Nitista  a oportunidade de conquistar um maior poder, gerindo esta visão de Maioria Negra em seu beneficio e com  Nito Alves a alimentar esse discurso e onde frases como “Angola, só seria verdadeiramente independente quando brancos, mestiços e negros passassem a varrer as ruas juntos” eram as mais suaves das expressas, sendo no entanto verdade que não foram poucos os caucasianos e mestiços que se reviam nesse discurso de Maioria Negra, como Sita Valles, indiana assim como  uma parte importante dos Comités Henda maioritariamente caucasianos

Nito Alves tornou-se na gestão deste ambiente conflitual multifacetado  a  segunda figura  do poder, logo a seguir a Agostinho Neto, e era por tal o  Ministro do Interior, quando o MPLA formou o primeiro Governo de Angola.

Esta nova divisão no MPLA, ficou expressa logo na 3ª Reunião Plenária do Comité Central  de 23 a 29 de outubro de 1976, onde se decidiu a suspensão por seis meses, de Nito Alves e de José Van-Dúnem, acusados formalmente de Fracionismo por Agostinho Neto e pelo grupo mais afim ao mesmo.

Nito Alves e José Van-Dúnem propuseram então que se criasse uma comissão de inquérito, para averiguar se havia ou não fracionismo no seio do MPLA, comissão liderada  José Eduardo dos Santos, que ao arrastar no tempo as inquirições, bem como a apresentação das suas conclusões  levou  a um crescente  alastrar da divisão no MPLA até porque  devido a essa comissão de inquérito, o próprio José Eduardo dos Santos e o primeiro-ministro de então, Lopo do Nascimento, foram eles também acusados de fracionistas

A realização da assembleia magna de militantes realizada a 21 de maio de 1977 na cidadela de Luanda, presidida por Agostinho Neto, é o ponto de rotura, sendo então feito o anúncio oficial da expulsão de Nito Alves e de José Van-Dúnem.

 

O 27 DE MAIO DE 1977

Nito Alves, depois de ter sido ouvido pela comissão de inquérito em fevereiro de 1977, defendeu-se dizendo que a acusação de “Fraccionismo” estava associada a uma intenção de “Golpe de Estado” que lhe procuravam também imputar e denunciava que, alguns dirigentes do MPLA andariam a divulgar informações sobre um possível fuzilamento dele próprio, em Janeiro desse ano.

Anunciava ainda que as cadeias estavam a ser preparadas pelas forças afetas ao grupo que se lhe opunha, para receber presos que a segurança já tinha em mira, em listas que circulavam no seu seio criando  dentro do MPLA o ambiente que justificava  a mobilização de grande parte dos membros do MPLA em defesa de Nito Alves, através de algumas das organizações de massas, particularmente do musseque Sambizanga e de sectores importantes do exército.

Sairão assim os Nitistas à rua  a 27 de maio de 1977, apoiados pelo exército e por “organizações de massas”, Assumindo-se contra a linha deterioração da vida do povo e carência generalizada de géneros alimentares, procurando obter o apoio de Agostinho Neto às suas pretensões de depurar o Estado ou o que restava dele dos corruptos para garantir o aprofundamento do que chamavam de Poder Popular.

Nito Alves, liderou então essa  movimentação popular de protesto que se dirigiu para o Palácio Presidencial, para apelar ao Presidente Neto para que alterasse essa tendência com o retorno à linha Marxista-Leninista pura.

Virinha e Nandy, dirigentes do destacamento feminino das FAPLA, as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, dirigem o assalto à cadeia de São Paulo, onde se encontrava, em visita de inspeção, Hélder Neto, chefe da INFANAL serviço de Informação e Análise, órgão paralelo à DISA, Direção de Informação e Segurança de Angola e para tentar impedir o ataque, Helder Neto, liberta alguns presos e entrega-lhes armas para o ajudarem a defender a cadeia mas acaba, supostamente, por se suicidar.

Luís dos Passos, que já foi secretário-geral do Partido Renovador Democrático, num jipe com seis militares, dirigia a tomada da Rádio Nacional de Angola, enquanto, nos musseques, Sita Vales e José Van-Dúnem incitam os operários e os populares à revolta

Saidy Mingas, um dos irmãos de Rui Mingas, fiel a Agostinho Neto, entra entretanto no quartel da Nona Brigada para tentar controlar as tropas, mas é  preso pelos soldados e levado com Eugénio Costa e outros militares contrários à revolta para o musseque Sambizanga, onde são, posteriormente, queimados vivos.

Por volta do meio-dia, o Governo, através de Onambwe, diretor-adjunto da DISA, reage contando com a inesperada ajuda das tropas cubanas  retomando a cadeia e a rádio para o lado de Agostinho Neto  disparando sobre os manifestantes pondo assim fim ao golpe pois por volta das 16 horas, a cidade já está controlada, e os manifestantes estavam somente a tentarem  refugiar-se onde podiam e assim no Sambizanga, os militares golpistas são queimados vivos, enquanto que ao começar a tarde, reinava o silêncio na cidade.

Na Rádio Nacional, Agostinho Neto resume os acontecimentos que, por poucas horas, abalaram Luanda: Hoje de manhã, pretendeu-se demonstrar que já não há revolução em Angola. Será assim? Eu penso que não… Alguns camaradas desnortearam-se e pensaram que a nossa opção era contra eles… tendo sido  imposto o recolher obrigatório com início ao pôr do sol e a terminar ao nascer do sol, realizado com a ajuda de barreiras de rua por toda a cidade estando os  Cubanos, com os seus  tanques e blindados, a guardarem os edifícios públicos e não havendo quase sinal de soviéticos em toda a cidade.

Terá havido ainda um atentado contra Agostinho Neto, por um seu segurança particular hipoteticamente organizado por Nito Alves mas Neto scapa ileso tendo talvez por tal afirmado em público a seguir: “Não haverá contemplações”… “Não perderemos muito tempo com julgamentos”.

Assim logo nessa noite a DISA, entra pelas casas a dentro em busca dos Nitistas vivendo-se então momentos  prisões arbitrárias, de tortura indiscriminada de pessoas, de execuções sumárias, levadas a cabo pelo Tribunal Militar Especial vulgo Comissão Revolucionária, criado para substituir os julgamentos e que ficou conhecido por Comissão das Lágrimas.

Consequências

Sabe-se que Nito Alves foi fuzilado e que se fez desaparecer o seu corpo, e que Sita Valles e José Van-Dúnem foram aprisionados mais tarde a 16 de junho de 1977 e em 1978, o historiador  Wilfred Burchett confirmou que Nito Alves Sita Valles, José Van-Dúnem, David Aires Machado, e dois comandantes superiores do exército do MPLA, Jacob João Caetano  (Monstro Imortal) e Ernesto Eduardo Gomes da Silva (Bakalof) foram executados sumariamente nesse período pós golpe sendo no mesmo mortos muitos quadros Angolanos, e  somente em julho de 1979, Agostinho Neto,   dissolve  a DISA.

Ironicamente, em dezembro de 1977 no seu primeiro congresso, que irá justificar politicamente a vitória deste novo MPLA o partido muda de nome para MPLA-PT, MPLA Partido do Trabalho e assume  a ideologia Marxista-Leninista que Nito Alves promovia como sua .

O número de militantes do MPLA, depois das depurações, terá baixado de 110.000 para 32.000 e os  milhares de mortos havidos estarão  entre os 15.000 e os 80.000

A versão oficial, do novo MPLA PT publicada a 12 de julho de 1977, defende ter havido uma tentativa de Golpe de Estado  que estaria  a ser preparado desde 1974, atribuído ao “Grupo de Nito” que se apresentava com uma capa aparentemente revolucionária, a de uma linha “Marxista-Leninista pura“, para afastar o povo dos objetivos da Reconstrução Nacional e da defesa da integridade territorial.

Bureau Político acusou inclusive o “grupo de Nito“, de ser um aliado do inimigo interno das então desarticuladas UNITA e FNLA com o conluio externo do Zaire, da África do Sul e claro como sempre dos  EUA, que  manipulando as dificuldades do povo, caluniando  para destruir o MPLA.

Os apoiantes de Nito Alves, pelo seu lado, consideraram que o golpe estava a ser preparado ao tempo por uma ala Maoísta do partido, liderada pelo secretário administrativo do movimento, Lúcio Lara, absurdo porque este nunca foi maoista, mas realista porque sempre contou com o apoio dos Henda instrumentalizando os principais centros de decisão do partido e os media, em especial o Jornal de Angola, pelo que consideravam que a manifestação convocada por Nito Alves não se tratou de um golpe de estado mas sim de “um contra-golpe”, para eles infe3lizmente falhado.

Em abril de 1992, o governo angolano reconheceu que foram “julgados, condenados e executados” os principais “mentores e autores da intentona Fracionista”, que classificou como “uma ação militar de grande envergadura” que tinha por objetivo “a tomada do poder pela força e a destituição do presidente Neto”

 

 Joffre Justino