O Campo de concentração do Tarrafal é finalmente um museu.

O campo de concentração do Tarrafal é hoje um museu e houve uma cerimónia com Marcelo Rebelo de Sousa o Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, e o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.

“Um museu serve para mostrar o que se passou naquela altura, não ouvir dizer, mas ver. E perceber o significado que teve naquela altura”, disse o luso PR. 

As cerimónias para assinalar os 50 anos da libertação dos presos políticos do Tarrafal terminaram com uma visita ao museu.

Também no mesmo espaço houve um momento cultural, com artistas de quatro países: Mário Lúcio (Cabo Verde), Teresa Salgueiro (Portugal), Paulo Flores (Angola) e Karina Gomes (Guiné Bissau)
“Temos de estar à altura das nossas responsabilidades, promovendo as liberdades, cuidando e defendendo a democracia, para nunca mais falarmos de campos de concentração”

O Presidente da República lançou este repto ao dirigir-se aos Chefes de Estado de Portugal e da Guiné Bissau, representante do Chefe de Estado de Angola, antigos presos políticos, autoridades e entidades nacionais, corpo diplomático e a sociedade civil Cabo-verdiana que se juntam, hoje, numa homenagem conjunta aos antigos presos que há 50 anos foram aqui libertados do jugo colonial.

Destaca o Chefe de Estado, “o nosso objetivo deve ser o de preservação deste espaço de memória, pela sua elevada importância histórica e cultural, símbolo da resistência dos povos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Portugal, ao fascismo e ao colonialismo”.

Depois de em 2006, o Governo de Cabo Verde reconhecer este ex-Campo de Concentração como Património Nacional, agora, o desafio que todos nós subscrevemos, é o da sua elevação a Património da Humanidade, sublinha Neves.

"Estes homens, aqui e agora homenageados, felizmente, alguns ainda entre nós e presentes nesta cerimónia, deram o melhor de si, da sua juventude, para alcançarmos a liberdade e a independência. Temos uma dívida de gratidão para com estes jovens de há cinquenta anos! Que os de hoje se inspirem na vossa coragem, generosidade, espírito de sacrifício, compromisso com a justiça e dedicação às grandes causas"' ressaltou o Presidente .

O Presidente da República espera “que este momento nos sirva sobretudo para o futuro, para os próximos 50 anos”.

Confira o discurso, na Íntegra, no site da Presidência da República:


DISCURSO PROFERIDO POR S.E. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. JOSÉ MARIA PEREIRA NEVES, POR OCASIÃO DA CERIMÓNIA DO CINQUENTENÁRIO DA LIBERTAÇÃO DE PRESOS POLÍTICOS

ANTIGO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE TARRFAL,
1 DE MAIO DE 2024


Minhas Senhoras e meus Senhores,


Há precisamente 50 anos, a história passou por aqui! Com efeito, foi a 1 de maio de 1974 que, por pressão da população, os portões deste tristemente célebre Campo de Trabalho de Chão Bom, se abriram e os presos políticos, heróis de Angola e de Cabo Verde, que ainda se encontravam neste espaço, foram devolvidos à estrada da liberdade.
Neste lugar de memória e de sofrimento, a história dos povos angolano, cabo-verdiano, guineense e português, se entrelaçaram.

Assim, muito naturalmente, passado meio século, agradeço a presença dos Presidentes Marcelo Rebelo de Sousa e Umaro Sissoko Embaló e do Senhor Ministro da Defesa de Angola, em representação do Senhor Presidente João Gonçalves Lourenço, que aceitaram o convite para juntos celebrarmos a libertação desses Presos e render esta justa e merecida homenagem a todos aqueles que sofreram ou pereceram neste Campo de morte lenta.


A nossa homenagem estende-se a todos os que estiveram presos nas masmorras do fascismo e do colonialismo, por delito de opinião, porque desejaram a liberdade e bateram-se pela independência.
Com o 25 de Abril começava uma nova página da história de Cabo Verde, uma jornada rica, vertiginosa e intensa, num turbilhão de sensações e de conquistas, rumo ao 5 de Julho de 1975. Vivemos um período extraordinariamente rico, de mobilização popular, de libertação de força criadora e de uma efervescência cultural, numa caminhada deveras alucinante rumo ao dia da proclamação da independência.


Este Campo de Concentração encerra a parte mais triste da nossa história comum. Estiveram aqui encarcerados cidadãos, mais de meio milhar, antifascistas e anticolonialistas, que apenas cometeram o “crime” de lutar pela liberdade, de lutar pela independência. Assumiram a grave responsabilidade de combater pelo interesse de todos, tornaram-se símbolos, e fazem parte do nosso património coletivo. Não se conformaram com o fascismo e o colonialismo.


Estes homens, aqui e agora homenageados, felizmente, alguns ainda entre nós e presentes nesta cerimónia, deram o melhor de si, da sua juventude, para alcançarmos a liberdade e a independência. Temos uma dívida de gratidão para com estes jovens de há cinquenta anos! Que os de hoje se inspirem na vossa coragem, generosidade, espírito de sacrifício, compromisso com a justiça e dedicação às grandes causas.


Que nunca mais as pessoas possam ser encarceradas por causa das suas ideias e dos seus sonhos. E aos jovens cabe levantar bem alto o facho da liberdade, da independência e da democracia, porque sabemos que as ameaças de ontem – o autoritarismo, o nacionalismo, o extremismo, a xenofobia –, quando os campos de concentração foram abertos, estão a regressar em força.
O nosso objetivo deve ser o de preservação deste espaço de memória, pela sua elevada importância histórica e cultural, símbolo da resistência dos povos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Portugal, ao fascismo e ao colonialismo.

Realço que em 2006, o governo de Cabo Verde reconheceu este ex-Campo de Concentração como Património Nacional. Agora, o desafio que todos nós subscrevemos, é o da sua elevação a Património da Humanidade.
O 25 de Abril de 1974, cujo cinquentenário acabamos de comemorar, abriu caminho à libertação dos Presos Políticos dos calabouços erguidos em Portugal e nas antigas colónias e às independências, encerrou um capítulo e fez nascer um novo futuro.

Os povos de Portugal e dos países saídos do processo de descolonização, estiveram na mesma trincheira, irmanados na luta contra o fascismo e contra o colonialismo. Daí, é com naturalidade que as autoridades políticas que se estabeleceram, foram capazes de criar um clima de amizade, cooperação e respeito, de forma muito responsável, e que deve ser preservado e fortificado.

Hoje, são novos os desafios e novos os horizontes, numa conjuntura mundial cada vez mais complicada, que demanda por mais entendimentos e mais cooperação entre todos.
No caso de Cabo Verde, descontados os excessos da excitação revolucionária da época, a independência contou com uma base alargada de apoio. As elites políticas e a esmagadora maioria dos cabo-verdianos, muito influenciados pelo contexto político de então, no essencial, apoiaram o processo independentista. 

A independência deu-se num quadro de partido único, o PAIGC, que substancialmente aglutinava as forças emancipatórias. Depois, divergências de ideias e de perspetivas políticas irromperam no espaço público, levando a dissensos e a ruturas no sistema. Se havia restrições de direitos civis e políticos foi, todavia, possível lançar as bases do Estado, garantir a segurança alimentar, e realizar pesados investimentos na educação, saúde e solidariedade social, alterando profundamente o panorama social e económico do país.
15 anos depois, abriu-se um processo de transição para a democracia representativa, que se saldou num grande sucesso.

Hoje temos um Estado de Direito Democrático que funciona e estamos a dar passos firmes rumo à modernização do país e ao seu desenvolvimento durável, e com um forte engajamento de todas as sensibilidades políticas e sociais.
No atual cenário mundial, constata-se, com preocupação, a degradação da qualidade da democracia, para a qual há que arranjar antídotos; o recuo em setores como educação, saúde e solidariedade; o aumento das vagas migratórias, com as pessoas a fugirem por falta de recursos e de dignidade, significa um recuo e que, simbolicamente, novas prisões se estão a abrir, indicando um caminho do retrocesso, oposto ao do desenvolvimento.


A política configura-se como uma das mais nobres e recompensadoras atividades humanas. A democracia é possibilidade de divergências e de entendimentos. Há tempo para desacordos e tempo para concordâncias. Há que reaprender a discutir, a se respeitar uns aos outros e a atuar com sentido de interesse público. A política deve ser feita com afeto, franqueza e lealdade. E quando nos aproximamos de eleições, é bom que essa competição eleitoral não seja transformada numa fábrica de rancores. A luta pelo poder não pode desumanizar, não pode justificar tudo.
Temos de ter capacidade para fazer ruturas, ter atitudes disruptivas e projetar o país que ambicionamos para os próximos cinquenta anos.

Com mais liberdades, mais igualdade, mais prosperidade, mais inclusão, mais justiça social. É preciso proceder a uma profunda reforma do Estado, de forma a descentralizar mais, concedendo mais poderes e mais recursos às ilhas. É preciso criar mais espaços de participação dos cidadãos e garantir mais autonomia da sociedade civil; as alternâncias, saudáveis em democracia, por si sós, não podem justificar ruturas e descontinuidades de políticas públicas, com desperdícios de recursos e sérios prejuízos para as instituições e para a dinâmica económica e social. As mudanças devem ser muito bem ponderadas, de modo a expressarem os reais desejos e sentimentos das pessoas e da sociedade civil.


Que este momento nos sirva sobretudo para o futuro, para os próximos 50 anos. Frágil como é, a democracia precisa de cuidados intensivos e permanentes. Temos de estar à altura das nossas responsabilidades, promovendo as liberdades, cuidando e defendendo a democracia, para nunca mais falarmos de campos de concentração.


Viva a Liberdade!
 Viva a Democracia!
 Viva Cabo Verde!

Veja aqui o video de um dos momentos do evento👇🏽

https://www.facebook.com/reel/1166359808112567 

Joffre Justino